Só agora é que reparei: são ervas a rebentar por todo o lado, as frésias saíram dos bolbos; a rúcula está viçosa e a D.Adélia deu-me sementes para semear este mês.
Tenho de iniciar este novo ciclo.
Em Maio, comprei acelga, alface, tomate, batata doce, rúcula, beringela, abóbora e courgette.
Agora tenho na minha lista “A plantar”: couve, nabiça, alface e acelga.
É a segunda vez que convido a acelga para o meu pátio e para o meu prato.
Costumo cozinhá-la na sopa ou salteada mas também pode ser preparada em saladas.
Por vários motivos, afastei-me do pátio e só agora é que me apercebi da falta que me faz o cheiro e o toque da terra. Reposiciona-me.
O Homem nunca pertenceu aos ecrãs, aos carros, às máquinas, aos filamentos eléctricos e aos metais, mas sempre pertenceu à terra.
É fácil reencontrar essa ligação milenar quando se planta.
Essas memórias de infância estão guardadas no meu frasco mais colorido.
Quando a minha Mãe me perguntou se eu queria apanhar as pêras dessas vinhas fiquei admirada.
Não tinha memória das pereiras. Destas pereiras seculares, com olhos, nariz, boca e longos cabelos, e que, por serem seculares, dão frutos com um sabor de outro tempo. Quando a fruta sabia ao que era.
Há muitos anos, antes das câmaras frigoríficas, havia culturas de Verão e de Inverno e havia a preocupação de ter fruta todo o ano. As pêras de Inverno ou francesas eram uma óptima solução.
Hoje é difícil saber qual é a época certa da fruta: há sempre inúmeras variedades no supermercado.
Depois da vindima, apanhavam-se estas pêras magníficas que ficavam no sótão e duravam até Fevereiro.
Eu não me lembrava das pereiras, mas lembrava-me do sabor destas pêras.
Aliás, este é o meu arquétipo de pêra.
Esta é pêra do meu mundo inteligível.
Era o sabor que eu guardava no meu frasco de infância, tão colorido e definido.
Claro que não andaram apenas as minhas botas à volta das pereiras. Andaram também os sapatos do meu Pai e as botitas da Beatriz.
Este livro, de 1972, é um dos livros da Biblioteca que já requisitámos mais vezes.
Não sei até que ponto a Beatriz percebe o que este bebé anda a fazer dentro da barriga da mãe, mas gosta muito deste livro e fica sempre muito atenta quando eu faço o paralelo com a nossa história.
Este bebé, como qualquer outro que vive dentro do útero da mãe, anda tranquilo e feliz, até que percebe que, um dia, todos esperam que ele nasça.
Todos os elementos da família tentam convencê-lo com programas e estratégias mais ou menos aliciantes.
Até que o pai chega e traz o Beijo…
A história, da americana Fran Manushkin, fala-nos do Amor e da forma de vida mais pura que existe: a do bebé.
A ilustração, do premiadíssimo Ronald Himler, a preto e branco, ganha um destaque inesperado no fundo ocre que surge em cada duas páginas.
As personagens lembram-nos uma época já passada, mas são extremamente expressivos. Recordam-nos que os sentimentos de que nos fala o livro são universais e intemporais.
Em 1998, José Saramago discursou perante os membros da Academia Sueca acerca das incongruências do ser humano.
Afrontava-o o júbilo em que se vivia por se ter colocado uma sonda em Marte, quando em Terra tínhamos o caos e a fome. Não me lembro se citava especificamente o caso de África ou de outro continente.
Houve quem o acusasse de não valorizar a ciência.
Houve quem ficasse incomodado.
Houve quem não o compreendesse.
Quinze anos mais tarde, leio, no Público, que se inscreveram 150000 pessoas, para 24 vagas, num projecto que pretende iniciar a colonização do planeta Marte.
Um projecto de seis biliões de dólares (o que quer que isso seja)…
E voltei às palavras de Saramago. Cada vez mais sábias.
Razões para querer sair da Terra não faltam… mas o que motiva estas 150000 pessoas?
E os financiadores do projecto?
Tal como Vítor Belanciano, do Público, fiquei espantada:
“Estranho mundo onde os audaciosos são os que idealizam paraísos distantes, parecendo acreditar na fundação de sociedades sem conflitos, como nunca existiu, nem existirá. Enquanto quem deseja transformar a realidade mais premente, aqui e agora, com a consciência de que onde há pessoas haverá sempre tensões, mas também a possibilidade de justiça, da equidade e da promoção de novas ideias, é relegado para a posição de desejar o impossível.”
Vítor Belanciano (Público, 1 de Setembro de 2013)
A propósito, as inscrições para habitar Marte terminaram a 31 de Agosto.
Eu prefiro conviver com estas criaturas das crateras.
Não devem ser muito diferentes e estes bichos são muito mais divertidos do que os 24 que partem na nave espacial.
Quando a mudança é imposta, a apreensão deixa de ser dissimulada e mistura-se com angústia e ansiedade.
A minha adaptação aos locais, às pessoas, aos projectos, é lenta e gradual.
Geralmente, também é profunda.
Com estas características, como é que sobrevivi a 17 mudanças compulsivas de casa?
Com angústia, na adaptação; e com angústia, no momento da despedida.
Houve casas, com um espírito tão forte e tão apaixonante, que saltei a primeira “angústia”.
A casa da minha Avó Rosa é o caso perfeito desse sentimento.
Mas nem incluo esta casa no rol das mudanças, foi um regresso. A casa onde fui sou pequenina.
Uma casa nova implica uma mudança de cenário, uma nova personagem, uma representação de uma peça desconhecida, cheia de imprevistos e peripécias.
Ao longo de 17 casas, representei muitos papéis, contracenei com muitos actores, vivi muitas vidas, brilhei e sucumbi a vários desfechos.
Agora, acertei no meu cenário e protagonizo o meu melhor papel.
Este foi o cenário onde comecei a ensaiar.
Foi na torre, em Avis, que vivi os primeiros meses de gravidez.
Durante alguns meses, estive, de facto, mais perto do Olimpo.
O nome da minha filha.
Só para tranquilizar-vos: quando referi as mudanças excessivas de casa e usei a palavra “compulsivas” não significa que sofra de uma perturbação que me leve a andar sempre a fazer e a desfazer malas e caixotes; foi mesmo por obrigação profissional e, poucas vezes, pelas circunstâncias da vida.