Há muitos anos, quando era pós-adolescente, li o Auto da Alma de Gil Vicente.
Fiquei impressionada: uma Alma, no seu percurso pela Terra, sem conseguir acompanhar o Anjo que a guia.
Pesam-lhe os vestidos, os sapatos, as jóias e os espelhos.
Diz-lhe o Anjo:
“pompas, honras, herdades e vaidades,
são embates e combates para vós.”
Impedem a Alma de tornar-se “gloriosa”, apesar de lhe ter sido concedido “o livre entendimento, a vontade libertada e a memória”.
Lembro-me muitas vezes desta Alma, sobretudo quando ocupo a mente com futilidades ou quezílias.
Ultimamente, tenho regressado, muito devagar, a um dos meus grandes prazeres: ler.
E reencontrei o tema.
Com Afonso Cruz.
– A boca do paraíso é a boca de um frasco. […] Sabe porquê? Por causa do macaco. Imagine um frasco de nozes. O macaco não tem dificuldade em meter lá a mão, mas quando pega nas nozes não consegue tirá-la. Terá de largar as nozes para ser livre. E o paraíso é assim, temos de deitar fora as nozes e mostrar as nossas mãos vazias.
-Há que evitar as nozes. […]
-Isso. As nozes é que não nos deixam ser livres. São as nossas gaiolas.
E eu desejo um 2014 sem nozes!
Com muitos livros.
Livros para adultos, com ilustrações.
E belos trinados de pássaros!
O livro e as ilustrações são de Afonso Cruz.
As fotografias da loja Wook e do blog Prosimetron.