Há muitos anos, quando era pós-adolescente, li o Auto da Alma de Gil Vicente.
Fiquei impressionada: uma Alma, no seu percurso pela Terra, sem conseguir acompanhar o Anjo que a guia.
Pesam-lhe os vestidos, os sapatos, as jóias e os espelhos.
Diz-lhe o Anjo:
“pompas, honras, herdades e vaidades,
são embates e combates para vós.”
Impedem a Alma de tornar-se “gloriosa”, apesar de lhe ter sido concedido “o livre entendimento, a vontade libertada e a memória”.
Lembro-me muitas vezes desta Alma, sobretudo quando ocupo a mente com futilidades ou quezílias.
Ultimamente, tenho regressado, muito devagar, a um dos meus grandes prazeres: ler.
E reencontrei o tema.
Com Afonso Cruz.
– A boca do paraíso é a boca de um frasco. […] Sabe porquê? Por causa do macaco. Imagine um frasco de nozes. O macaco não tem dificuldade em meter lá a mão, mas quando pega nas nozes não consegue tirá-la. Terá de largar as nozes para ser livre. E o paraíso é assim, temos de deitar fora as nozes e mostrar as nossas mãos vazias.
-Há que evitar as nozes. […]
-Isso. As nozes é que não nos deixam ser livres. São as nossas gaiolas.
E eu desejo um 2014 sem nozes!
Com muitos livros.
Livros para adultos, com ilustrações.
E belos trinados de pássaros!
O livro e as ilustrações são de Afonso Cruz.
As fotografias da loja Wook e do blog Prosimetron.
1 de Janeiro de 2014 às 10:55
Feliz 2014. Espero que este ano traga muita alegria e muitos projectos novos. Adorei este primeiro post de 2014, sou fã de Gil Vicente, não fosse ele o patrono do meu antigo liceu. É incrível como a obra dele é tão actual. Beijinhos
1 de Janeiro de 2014 às 20:52
Gil Vicente continua actual e nós, enquanto almas caminhantes, continuamos muito na mesma, infelizmente.
Um brinde aos novos projectos e votos de muita saúde e alegria!
Beijinhos!
1 de Janeiro de 2014 às 22:41
Ana,
Tantas verdades no teu 1º post de 2014 !
Bom começo , entrada com pé direito !
Feliz 2014 !
Tudo de bom !
Beijo !
José
2 de Janeiro de 2014 às 0:57
Um excelente 2014!
2 de Janeiro de 2014 às 23:33
cheguei aqui através do blog “mãos de vera”. os meus parabéns pelo belíssimo post. para primeira metáfora de 2014 está muito bem conseguida. desconhecia o livro. ficou a vontade de o ler. Feliz 2014. 🙂
3 de Janeiro de 2014 às 1:33
Obrigada pela visita tão simpática 🙂
Um excelente 2014!
Ana
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20 de Fevereiro de 2014 às 12:32
Tinha ideia que não se podia deixar comentários no blog, ando mesmo tontinha! 🙂
Adoro os teus pensamentos, lembra-me de não me esquecer de sonhos antigos, textos e linhas escritas, em que sonhava um dia, escrevê-las para o mundo ler.
Não sei se teria coragem de partilhar tanta intimidade assim num blog, admiro isso neste blog. Talvez as pessoas não imaginem de onde vêm estas palavras que escreves, de cantos que nem às vezes sabemos existirem em nós… palavras que nem sequer sonhamos em dizer em voz alta…
O livro que mostraste suscitou-me curiosidade, muita mesmo, qual é o preço?
Obrigada por me lembrares de mim, e de voltar a pensar que tenho mesmo que escrever…foi uma necessidade que deixei de lado, porque.. ui.. leva-me por caminhos nunca dantes navegados! :))
bjinhos, bela escrita!
20 de Fevereiro de 2014 às 13:59
Olá Cláudia!
Ainda bem que deixaste um comentário: escrever é um processo solitário e gosto sempre de saber o que sente quem me lê.
Em relação à intimidade, tens razão: fiquei a pensar nisso…
Escrevo a pensar nos meus amigos e família e a pensar em mim (nos tais cantos que esquecemos que existem).
Faço votos para que navegues nos “caminhos nunca dantes navegados”.
Não sei se nos conhecemos pessoalmente, mas podemos ir comunicando por aqui.
Obrigada pelas tuas palavras!
Beijinho,
Ana
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