Num mundo perfeito não haveria ginásios: passeávamos todos juntos, numa floresta, perto de casa, até o sol se pôr, depois de um dia em que tínhamos caminhado o suficiente para desentorpecer os músculos.
No mundo real, levo uma vida sedentária e o percurso entre o parque de estacionamento e o trabalho é a caminhada mais longa que faço.
O que não significa que não corra durante todo o dia: para me/nos preparar de manhã, para o trabalho, para fazer bem todas as inúmeras tarefas do dia, para ir buscar a Beatriz, para jantar, para deitar a Beatriz… e para cair na cama.
Há dias em que a ansiedade e o stress não param de correr, mas o corpo quase não saiu do sítio.
Tem-me feito bem inverter as correrias: o corpo corre, a mente descansa tranquila, porque não pode fazer mais nada naquele momento.
O inconveniente do ginásio, para ser honesta, é só um: a selecção musical e o volume da música; de resto já me habituei à minha versão hamster em cima da passadeira.
O melhor que lá ouvi ainda foi esta música em altos berros.
Imaginem o resto!
O melhor do ginásio é, sem dúvida, a aula de Pilatos: só mesmo obrigada é que alongo os músculos e faço movimentos de rotação lentos e suaves!
“Becoming a mother is a very democratizing experience in a weird way—all of the sudden, you see the whole world in very simple terms,” says Molly.
“Everyone is a mother, everyone is a child. It creates a depth and a compassion to every relationship.”
Antes de ser Mãe, quando havia momentos de silêncio, contemplava os adolescentes que trabalhavam comigo e imaginava os adultos em que iriam tornar-se: o rosto transformado pelos anos, o estilo, a profissão, a forma de estar na vida, os amores e desilusões futuras, …
Hoje, quando há momentos de silêncio, aproveito para contemplá-los e tento encontrar-lhe os traços que ainda guardam de bebés, a maneira como terão sido amados pelos pais (sinto um frio no estômago quando sei que alguns até nem foram muito amados), como terão sido felizes ou curiosos na escola primária, …
No fundo de mim, sinto-me muito próxima de todos eles… e responsável por contribuir para o seu presente mais feliz e mais rico.
“Everyone is a mother, everyone is a child. It creates a depth and a compassion to every relationship.”
Na escola da Beatriz há algumas meninas, mais velhas, que mostram os vestidos novos quando chegam.
A L. veio passar a tarde connosco e, na sua timidez, perguntou-me se eu já tinha visto as suas “leggins” de ganga.
Eu sou vaidosa, mas fiquei tão espantada que nem percebi logo a questão.
Entretanto, a Beatriz andava em plena loucura de rega no quintal com galochas e cheia de lama.
Não sei como vai evoluir a Beatriz, mas por enquanto ainda usa o meu baton com a mesma naturalidade com que “faz a barba” com o Pai, lê livros, faz bolachas, chapinha no quintal ou salta nos colchões.
É uma fase essencial do desenvolvimento, da construção de modelos e do autoconceito.
Nem todos os pais pensam muito nesta questão;
de outra forma não proliferariam tantos vestidos, acessórios e bugigangas rosa-choque (de gosto muito duvidoso)
e outras tantas princesinhas animadas que mais não fazem do que suspirar pelo seu príncipe e enfeitar-se a si e ao que as rodeia.
Na pouca televisão que vemos, há uma distinção clara entre animação para meninos e animação para meninas.
E a questão é: o que pretendemos nós, adultos, do futuro dos nossos filhos?
Num mundo perfeito, os filmes de animação, para crianças, seguiriam, prioritariamente, padrões de qualidade:
haver um protagonista ou uma protagonista era secundário – qualquer criança identificava-se com a missão do herói, com os seus medos, com a sua bravura e desenvolvia a vontade de construir uma equipa e viver as mesmas aventuras, quer o líder usasse tranças ou cabelo à escovinha.
Não é assim.
E os produtores de cinema vivem e alimentam (-se de) preconceitos.
Carl Honoré, impulsionador Slow Movement, diz que as nossas crianças estão assoberbadas de actividades: cansadas, ansiosas e sem espaço para brincar, nas suas agendas tão preenchidas.
A E., colega da Beatriz, tem natação às segundas e sextas; ballet às terças e quintas e música aos Sábados.
Chega a casa, diariamente, às 19:30h, toma banho, janta e dorme, exausta.
Disse à Avó que lhe faltava tempo para brincar.
Eu compreendo os pais da E…. eu também sinto um impulso para proporcionar à Beatriz todas as experiências enriquecedoras que consiga encontrar.
Mas onde está o limite?
A Beatriz tem ballet duas vezes por semana.
Costuma ir alegre e radiante.
-Mãe, hoje não quero ir: quero ficar em casa a brincar com os legos.
-De certeza? Não queres dançar com a E., com a M., com a professora M.,…?
-Não, quero brincar contigo.
Ficámos.
Sem certezas.
Achei que obrigá-la a ir quebrava para sempre uma actividade que se quer, em primeiro lugar, prazerosa.
Como harmonizar o maior número de experiências com um dia excessivamente preenchido?
Licores bons de quem sabe o que faz, de quem já trabalhou numa adega, de quem fez uma recolha de receitas pelas tabernas de Borba… de quem tem bom gosto!
São licores translúcidos e muito perfumados que me conquistaram: a mim que não era uma apreciadora de licores e a todas as pessoas que os provam e se tornam reincidentes!
Com uma pedra gelo são a melhor companhia das noites preguiçosas do quintal!