“Le souvenir est le parfum de l´âme” – (George Sand).


3 comentários

Com o que sonham os gatos?

Os gatos até podem não fazer habilidades inteligentes, mas aquele seu ar misterioso faz-me acreditar que sabem qualquer coisa que eu não sei.

Hão-de reparar, por muito vadios ou maltratados que andem, encontram sempre momentos de prazer no seu dia: ou uma sombra fresca que convida à sesta ou um raio de sol que lhes aquece o corpo e os envolve num mundo só deles.

Este texto de Manuel António Pina retrata bem este mistério… e outros… dos gatos e dos homens!

Onde se fala de gatos e de homens

Os meus gatos dormem durante a maior parte do dia (e, obviamente, durante a noite toda).

Suspeito que os gatos têm um segredo, que conhecem uma porta para um mundo coincidente e feliz, por onde só se passa sonhando. Um mundo criado como Deus terá criado o nosso humano mundo, à sua desmesurada imagem. Porque os que sonham são deuses criadores. Os gatos sonham dormindo, os homens sonham fazendo perguntas e procurando respostas.

Mas os meus gatos dormem e sonham porque não têm fome. Teriam, se precisassem de procurar comida, tempo para sonhar?

Acontece talvez assim com os homens. Como se o espírito criador fosse, afinal, prisioneiro do estômago. Talvez, então, a mesquinhez de propósitos da nossa vida colectiva radique, como nos querem fazer crer, no défice, e talvez o cumprimento das normas do pacto de estabilidade seja o único sonho que nos é hoje permitido.

E, contudo, dir-se-ia (e isto é algo que escapa aos economistas) que é o sonho, mais do que a balança de pagamentos, que alimenta a vida, e que os povos, como os homens, precisam de mais do que de números. Os próprios números têm (os economistas não o sabem porque a sua ciência dos números é uma ciência de escravos) o poder desrazoável de, não apenas repetir, mas sonhar o mundo.

Há anos que somos governados por economistas e o resultado está à vista. Talvez seja chegada a altura de ser a política (e o sonho) a dirigir a economia e não a economia a dirigir a política. Jesus Cristo «não sabia nada de finanças, / nem consta que tivesse biblioteca», e o seu sonho, no entanto, continua a mover o mundo.”

JN, 09/11/2005

Ilustração: Taiyo Matsumoto.

 

 

Advertisement


Deixe um comentário

Praia

 

Que saudades de descansar os olhos e o corpo no mar.

Todos os anos tenho o mesmo problema: apetece-me celebrar a nova época estival com um fato de banho novo.

Dramas de quem tenta sobreviver aos 40ºC da planície alentejana…

Algumas imagens são daqui.

Outras daqui. 

Mas quase todos os biquínis e fatos de banho das imagens são de marcas portuguesas.

Uau!


2 comentários

No outro

Imagino que, para um escritor, descrever um momento íntimo seja profundamente arriscado;

rapidamente a descrição se torna lamechas, vulgar, grotesca ou perpassa no leitor um sentimento de estranheza ou desconforto.

Li, há tempos, um artigo de Clara Ferreira Alves sobre José Rodrigues dos Santos.

É claro que é fácil bater no jornalista que escreve livros, mas havia algumas transcrições de momentos eróticos absolutamente arrepiantes.

Mia Couto alia a sensibilidade, o erotismo e a poesia de forma sublime:

“Um homem e uma mulher trocavam beijos e o seu amor desalojava a cidade inteira.
-Tens medo de fazer amor comigo?
-Tenho – respondeu ele.
-Por eu ser preta?
-Tu não és preta.
-Aqui, sou.
-Não, não é por seres preta que eu tenho medo.
-Tens medo que eu esteja doente…
-Sei prevenir-me.
-É porquê, então?
-Tenho medo de não regressar, não regressar de ti.
Deolinda franziu o sobrolho. Empurrou o português de encontro à parede, colando-se a ele. Sidónio não mais regressaria desse abraço.
-Que olhar é meu nos olhos teus?”

Venenos de Deus, Remédios do Diabo, Mia Couto

Não vou estragar a surpresa, mas a continuação da descrição deste encontro amoroso é tão intensa e delicada que nos faz corar.

São estas subtilezas que distinguem os escritores daqueles que escrevem livros…

 

Imagem Grace Upon Grace


Deixe um comentário

Voos

Marinheiro

 

“Aquele pássaro que voa pela primeira vez

afasta-se do ninho olhando para trás

Com o dedo nos lábios

Chamei-vos

Inventei jogos de água

na copa das árvores

Tornei-te a mais bela das mulheres

tão bela que enrubescias nas tardes

A lua afasta-se de nós

e lança uma coroa sobre o pólo

Fiz correr rios

que nunca existiram

De um grito ergui uma montanha

e em volta dançámos uma nova dança

Cortei todas as nuvens do Este

E ensinei a cantar um pássaro de neve

Caminhemos sobre os meses desatados

Sou o velho marinheiro

que cose os horizontes cortados”

Vicente Huidobro, Chile, 1893-1948

 

A poesia ou faz-nos voar ou faz-nos contemplar os pássaros que voam.

Qualquer uma das opções é mais que perfeita.

Adeus!

Imagem de Nhung Le.


3 comentários

Apanhar

Está a chegar aquela altura do ano no Alentejo em que já não sei o que fazer ao calor que sinto no corpo e no pescoço.

Apetece rapar o cabelo e sentir uma brisa (ainda que não corra qualquer  brisa por aqui…) a refrescar a nuca.

Como a audácia por estes lados é apenas q.b., são bem vindos penteados que libertem o pescoço mas que não transmitam a ideia de desespero total.

mstreinta-apanhado

 

Do blog :Ms Treinta

E da  Taza.

Um chique desalinhado!

Ou a derreter… apenas desalinhada!

O lenço ou os ganchos, para quem não é minimalista (eu…), dão uma graça extra.

E o meio preso, apesar de não resolver o calor do pescoço, destapa a cara com estilo.

Bem… mãos à obra.

Também pode ficar muito giro num homem; este já é giro, é certo…

Este post está de uma profundidade…

Estival!


7 comentários

Lembranças

A Lunna desafiou-me a publicar 6 fotografias, subordinadas a um tema, no sexto dia de cada mês.

O tema de Junho é: Lembranças.

Fiquei perdida no tema.

O nome deste blog não é Frasco de Memórias por acaso:

acredito que nós somos construídos pelas memórias que acumulamos, refletimos e revivemos;

também me sinto totalmente responsável pelas memórias que a Beatriz guarda, sobretudo nestes primeiros anos de vida.

Este blog nasceu por esses dois motivos e porque quero apaziguar-me comigo e com o presente, registando o melhor dos dias.

Como se vê, as ideias pulverizam-me o pensamento…

O que são afinal lembranças, segundo o dicionário de língua portuguesa?

1. Lembrança: “Ato mental pelo qual a memória reproduz um facto passado”.

(A minha missão actual consiste em coleccionar belos factos para que os actos mentais da Beatriz sejam profundamente felizes.)

2. Lembrança: “Recordação”.

(Estas rugas ficarão, para sempre, marcadas nestes pezinhos e na minha “recordação”.)

3. Lembrança: “Apontamento para auxiliar a memória”.

(As fotografias são um dos meus “apontamentos” preferidos: esta tem 88 anos).

 

4. Lembrança: “Alvitre, ideia”.

(Um método, para não esquecer uma bela ideia encontrada, é registá-la: qualquer forma é válida.

Esta é de Afonso Cruz, do meu livro predilecto.).

5. Lembrança: “Presente, dádiva, geralmente de pouco valor”.

(Estes presentes são mesmo os que mais aprecio, cheios de afecto).

6. Lembrança: “Objecto vendido ou comprado para fazer lembrar algo ou alguém, geralmente um local”.

(Quando sou muito feliz num local, gosto de trazer alguma coisa que materialize esse momento e o encaminhe para minha casa: pode ser um ramo, uma flor, uma pedra, uma boneca – esta “lembrança” veio da minha primeira visita ao Talasnal com a Beatriz.).

Bacio, Lunna!


4 comentários

Perspectivas

Coimbra, 2012

-Como é que uma festa académica, a Queima das Fitas, tem como atracção musical Quim Barreiros?

-Professora, não seja elitista!

(Eu a sentir-me entre o amarelo e o cor de laranja, metafórica e literalmente!)

Elvas, 2017

-A repressão do Estado Novo… limitação da liberdade de expressão… censura e PIDE…

-Professora, precisamos de Salazar.

(Eu a ficar vermelha, metafórica e literalmente!)

 

Sem radicalismos, sinto-me muito mais desconfortável com a segunda posição.

Espero de todos os jovens uma inocência e uma Fé no Mundo e no Homem que nem sempre lhes corre nas veias.

O mundo mudou e a esperança vai-se escoando, embora a maior parte deles agarre o futuro, entre notícias constantes de desemprego, ataques terroristas, radicalismo e demagogia política.

Um discurso alarmista terá consequências:

uma geração desconfiada e assustada viverá no individualismo, na intolerância e, consequentemente, na insensibilidade relativamente aos mais frágeis.

Esta geração não merece o cheiro a mofo do quarto escuro.

Quero que os seus olhos brilhem e o seu coração seja de todas as cores!

Imagens de Rosie Hardy.