Ser anónimo e estar longe dos que nos conhecem desde sempre pode ser libertador mas, a longo prazo, provoca-me um desnorte, que fico extremamente sensível a imagens que me abalam e transportam, como um raio, para esse vazio chamado saudade.
A minha prima apareceu-me assim.
Com o cheiro a tabaco, a pastilha elástica e a perfume.
E eu fiquei nesta saudade.
” [A saudade é] caracterizada por uma duplicidade contraditória:
é uma dor da ausência e um comprazimento da presença, pela memória.
É um estar em dois tempos e em dois sítios ao mesmo tempo, que também pode ser interpretado como uma recusa a escolher:
é um não querer assumir plenamente o presente e o não querer reconhecer o passado como pretérito. […]
é um sentimento complexo, mesclado, doce-amargo, pouco propício à acção, e não deve ter contribuído pouco para que a personalidade portuguesa apareça a observadores estrangeiros como desnorteante e paradoxal.
A saudade está ligada ao apego que se criou aos sítios, aos tempos e às pessoas que ficaram distantes.
E é uma característica do amor à portuguesa, que parece comprazer-se na distanciação.”
António José Saraiva, A Cultura em Portugal: Teoria e História