Na literatura portuguesa, o amor é cantado com drama e angústia…
Será uma particularidade nossa, amantes inveterados?
Ou a literatura está repleta de amores trágicos?
“O amor é um tema extraordinariamente obsessivo na literatura portuguesa, desde os primeiros cancioneiros, prosseguindo quase sem descontinuidade até aos nossos dias, passando por Bernardim Ribeiro, Camões, Tomás António Gonzaga, Bocage, Garrett, Camilo, cujo Amor de Perdição, segundo Unamuno, é a novela de paixão amorosa mais intensa e mais profunda que se escreveu na Península.
[O amor] É um dos principais temas da poesia popular.
Poucos países haverá que tenham tanta abundância de poesias amorosas como Portugal.
Trata-se em geral do amor-paixão que se compraz na ausência, na impossibilidade de realização, na autodestruição, amor a fogo brando, sem sentimento trágico, exceptuando Camilo e o Garrett das Folhas Caídas.
Chega a ser um estado de insatisfação sem objeto.
Assim aparece no fado.”
António José Saraiva, A Cultura em Portugal: Teoria e História

O poema !”Adeus” de Eugénio de Andrade retrata a constatação do fim do amor.
Um amor que naturalmente termina, que se apaga do coração.
Com um sujeito poético conformado e não desesperado.
E é por causa desta lucidez que, por mais que o leia, não páro de arrepiar-me.
Adeus
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.
Eugénio de Andrade, in Poesia e Prosa
Há poucos poemas que cantem o desamor do próprio coração…
É mais frequente (e fácil!) desempenhar o papel de vítima do drama amoroso.

Ilustrações de Cynthia Tedy.
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