Na senda da utopia, li a tese de Olga Maria de Azevedo Almeida, Utopias Realizadas acerca de dois homens que concretizaram as suas utopias sociais: Robert Owen, no País de Gales, e José Ferreira Pinto Basto, em Portugal.
Foram utopias “paternalistas”, mas provaram que é possível concretizar utopias e melhorar substancialmente a vida de uma comunidade.
Uma utopia paternalista parte de um indivíduo “benevolente e exterior” ao grupo (social ou profissional) que idealiza uma forma de melhorar a vida de uma comunidade que considera infeliz. “O termo paternalista não tem de ser pejorativo, uma vez que o consentimento para estas utopias existirem é essencial”.
Na verdade, no contexto do século XIX, não sei se seria possível criar uma utopia mais igualitária…
Aliás, será possível, em qualquer altura da história da humanidade realizar uma utopia igualitária e universal?
Talvez a redação da “Declaração Universal dos Direitos Humanos”, em 1948, seja o mais próximo que conseguimos estar dessa ideia.
Precisamente devido a essa consciência da nossa impotência, fiquei tão impressionada com estes dois utopistas, Robert Owen e José Ferreira Pinto Basto.

Em que contexto agiu Robert Owen?
Em plena Revolução Industrial, no séc. XIX, quando surgiu uma nova classe social, no Reino Unido, o proletariado.
Constituída por trabalhadores fabris e com baixo nível de vida, esta classe transformou-se num problema social: ignorância, trabalho infantil, miséria, alcoolismo, falta de higiene e doenças formaram um cocktail de revolta social difícil de resolver.
Foi neste cenário que Robert Owen surgiu com ideias que “viriam a ser apelidadas de socialismo utópico (proporcionando o mote a Karl Marx e Engels nos seus estudos fundadores de uma nova visão sobre o mundo, marcado por diferentes relações de trabalho)”.
Em 1800, Owen tem a oportunidade de gerir a unidade industrial mais famosa da década (que pertencia ao sogro), New Lanark. Robert Owen pretendia produzir, naquela comunidade fabril, “um regime humanitário e gerar maior produtividade, bem como maior lucro que, teoricamente, todos podiam partilhar”.
Conseguiu?
Em parte.
A verdade é que, em New Lanark, havia assistência médica, crédito por conta do salário seguinte, medidas de combate à dependência do álcool (sem castigos), medidas de higiene nas habitações dos trabalhadores, atividades desportivas e culturais para os trabalhadores, refeitórios públicos e investiu-se na educação: era gratuita para as crianças até aos dez anos (e havia aulas à noite, após os dez anos, que era a idade em que começavam a trabalhar na fábrica), infantários, tutorias dos mais velhos e era proibido, sob qualquer pretexto, bater nas crianças.
Parece pouco aos nossos olhos, mas se recordarmos que, no século XIX, dois terços das crianças eram totalmente analfabetas, talvez tenhamos outro olhar sobre esta comunidade.
Robert Owen tentou expandir a sua utopia social e sonhava com muitas outras aldeias (para além de New Lanark) de 500 a 1500 habitantes.
Propagandeou o modelo de New Lanark como um exemplo a seguir, pois apresentava soluções para uma gestão lucrativa e para a prevenção de situações de insustentabilidade social. Impelia-o “a necessidade de corrigir o caminho da ganância desmesurada provocada pelos lucros do período industrial, de forma a atingir alguma justiça social”.
Incrivelmente (ou não!), mesmo com provas dadas no terreno, o modelo de aldeia de Owen foi rejeitado pelo clero e pelos políticos. Consideravam que este modelo proporcionaria uma vida tão boa aos pobres que iria levá-los a recusar trabalho para se dedicarem ao ócio proporcionado pelos confortos considerados excessivos para as classes trabalhadoras. Owen começou a ser visto, pelas classes dirigentes, como um agitador social.
No extremo oposto, havia também quem acusasse Owen de confundir educação com doutrinação e de se dirigir aos trabalhadores em tom demasiado paternalista.
Pessoalmente, impressionou-me o facto deste homem ter concretizado, com sucesso e entusiasmo por parte dos visados, a sua utopia e ter melhorado, sem dúvida, as condições de vida de muitas famílias.
Neste momento da minha vida, considero incrível como há/houve seres humanos maduros e com formação que não perderam a fé na humanidade e continuaram a acreditar na possibilidade do mundo vir a ser um sítio melhor.
Tanto Owen, como os filósofos Fourier e Saint-Simon, socialistas utópicos, foram pioneiros na criação de um novo tipo de sociedade e acreditaram poder resolver problemas do mundo (com os quais ainda hoje nos deparamos!), através da aplicação dos seus modelos a nível mundial.
Estes homens deixaram-nos, igualmente, heranças não só no campo das ideias;
concretamente, foi graças a eles que ficou delineado o modelo urbano que viria a surgir como socialismo utópico e foi, assim, que se desenharam cidades “cujos edifícios deviam satisfazer o interesse público, dando ênfase às questões estéticas, por se acreditar que cidades bonitas produziriam bons cidadãos e, por consequência, sociedades mais perfeitas”! Não podia estar mais de acordo com esta ideia!
Em Portugal, um dos precursores do socialismo utópico, Francisco Solano Constâncio, conheceu as ideias de Robert Owen e, quando regressou a Lisboa, em 1799 (onde exerceu Medicina até 1807) foi responsável pela introdução e propagação da vacinação no nosso país.
A tese de Olga Maria de Azevedo Almeida está aqui e lê-se num fôlego de esperança no Mundo. Todas as citações deste post pertencem a esta obra.
Em breve, escreverei acerca do nosso utópico José Ferreira Pinto Basto.
A imagem é do livro que vou ler de seguida.
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