“O povo é um inventalínguas”, tal como escreveu Haroldo de Campos e cantou Caetano Veloso.
A nossa língua é dinâmica: cria palavras, deixa morrer outras, modifica outras tantas.
Pensar que a língua se deturpa ou morre por esse motivo é uma assunção de quem não conhece a história da língua. Acredito que existem fases mais criativas e outras mais pobres, como aquela em que vivemos, mas a dinâmica é própria dos organismos vivos.
Nesse sentido, não tenho nada, em teoria, contra as mudanças na forma como escrevemos e falamos…
No entanto, considero que as modificações têm de provir de uma necessidade de quem fala.
O problema deste Novo Acordo Ortográfico é mesmo esse: nenhum dos falantes sentia necessidade de transformar a língua da forma que foi superiormente proposta imposta.
A título de exemplo, nunca conheci quem sistematicamente se esquecesse das consoantes “c” e “p”, no caso das palavras em que estas não são pronunciadas; por experiência profissional, constatei, durante anos, que os erros ortográficos dos alunos não provinham destas consoantes surdas.
Por outro lado, as ambiguidades linguísticas que existem entre o Português Europeu, o Português dos PALOPS e o Português do Brasil (que o Acordo diz pretender diminuir) também não provêm da existência das consoantes mudas ou da acentuação que foi alterada. Como todos sabemos, as diferenças entre as variantes do Português prendem-se sobretudo com questões de pronúncia e de vocabulário específico dos espaços sociais e geográficos.
Por imposição profissional, adoptei o Acordo, mas pessoalmente sinto-me muito mais confortável desobedecendo a um Acordo que me foi imposto por políticos que eu desconsidero.
A língua é de quem a fala e a nossa relação com ela é muito íntima: acompanha-nos desde o nascimento, permite-nos o pensamento e sentimo-la como um prolongamento da nossa identidade.
Comprova essa ligação umbilical o facto de ninguém gostar de ser corrigido quando fala: da pessoa mais humilde à mais erudita, todas ficam extremamente melindradas quando são emendadas no seu discurso.
Numa época de total TV lixo, encontrei um programa que devia ser copiado pelos nossos canais privados ou públicos: Livros que amei do Canal Futura, do Brasil.
O Professor Evanildo Bechara esclarece:
“A língua é uma instituição social.
A língua nunca está estável; está sempre instável, num equilíbrio instável.
O equilíbrio é para permitir a comunicação entre todos aqueles que a falam e a instabilidade é porque o povo – que é o dono da língua – está em acção, é criativo e essa criatividade leva também a criar dentro da língua. Esse poder de criação não é exclusivo dos eruditos. O poder de criação é também distribuído ao homem comum.”
11 de Abril de 2019 às 16:44
O meu Acordo Ortográfico é o único em vigor: o de 1945!
A leitura de consoante mudas que referes como, por exemplo, recepção ou ficção, é que abrem a vogal. Ao não colocá-las, a sonorização das palavras é deturpada.
Nada me impõe o que não foi acordado. O que pretendem é que se aceite como um faCto consumado. Se o fizesse, deixava de ser vítima e passava a ser cúmplice!
11 de Abril de 2019 às 20:01
Caro João:
As consoantes mudas têm uma razão histórica e funcional, sem dúvida.
Está ser uma luta difícil e sinto que, cada vez mais, silenciada!
11 de Abril de 2019 às 22:26
Há quem prefira dobrar a cerviz e protestar em silêncio… e, como diz o povo, na sua sapiência, quem cala consente!