“Le souvenir est le parfum de l´âme” – (George Sand).


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Analfabetismo afectivo

O meu primo diz que a geração anterior à nossa sofre de analfabetismo afectivo; por falta de disponibilidade, formação, tempo e dinheiro dos progenitores, acrescento eu.

Infelizmente, o analfabetismo afectivo estendeu-se à nossa geração. Ainda fomos educados para acreditar que mostrar as emoções é mostrar vulnerabilidade e que o mais forte é o que menos parece sentir.

A única diferença entre nós e os nossos antecessores é que nós temos consciência das nossas lacunas. Enfim, a maior parte das vezes…

Eu vou tentando, na medida do que sei e consigo, conversar e reflectir com a Beatriz relativamente ao que ela faz e sente. Nem sempre é fácil e, na verdade, também tenho as minhas limitações.

O Emocionário tem-nos ajudado.

Para começar, distinguir emoção de sentimento é fundamental, uma vez que nos torna autoconscientes e ajuda a regular a nossa acção.

A psicoterapeuta Rosa Collado Carrascosa faz a distinção da seguinte forma:

“”As emoções são estados afetivos inatos e automáticos que se experimentam através de alterações fisiológicas cognitivas e comportamentais. Servem para nos adaptarmos aos ambientes que experimentamos.”

“Os sentimentos são a tomada de consciência dessas emoções. Servem para expressar, de forma mais racional, o nosso estado anímico”.

As emoções são ilustradas de forma sugestiva e são um excelente mote para abordar o que está em causa.

A timidez:

A culpa:

A Ternura:

A Tristeza:

O Remorso, uma das minhas ilustrações favoritas, do argentino Federico Combi:

Todas as emoções são, para além de ilustradas, sucintamente definidas.

É proposto um roteiro de exploração do livro, uma vez que muitas das emoções se interligam.

A definição de Entusiasmo é uma das mais expressivas:

O pássaro Entusiasmo!
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Acto de fala

Juan Vicente Piqueras nasceu, em 1960, em Espanha.

Com uma visão pouco conservadora do que é a poesia, esclarece que todos os falantes são poetas:  

“Toda a palavra é um poema. A palavra falar vem de fabulare. A palavra palavra de parabolare. O mero acto de falar é já um acto poético, uma invenção, uma fábula. O mero acto de falar é um acto sagrado ainda que o falante, para sobreviver, se veja obrigado a desconsiderá-lo”.

Este poema é acessível e bem melhor do que a maior parte dos livros de auto-ajuda. Num estilo aforístico, Piqueras vai-nos sussurando como viver melhor.

“Não fujas do que sentes

não te escondas no que dizes

não digas mentiras

sê a tua voz

faz

trabalha

não te queixes

não sofras por medo de sofrer mais

não mendigues jamais o que mereces, por exemplo o amor […]

Abre o teu coração couraçado

à união do céu com o mar

da luz com a sombra

do canto dos grilos com o das cigarras

pinta de azul a alma […]

Cozinha

convida

canta

dança

abraça

tira o pó da tua voz

rega as plantas

as dos pés também, no mar

na maré baixa […]

Não olhes para trás

não sejas a tua estátua de sal

e sai de ti, do que pensas de ti

sai desse quarto escuro onde escreves os poemas que dizem o que tens de fazer

em vez de o fazer

Põe-te a andar

faz

trabalha

não te queixes

vira a página

olha

sê atento e fica atento

não esqueças o que vives

não esqueças o que acabas de viver

não esqueças o que acaba

acaba

vai em busca de uma voz nova, longínqua

não fujas do que sentes

não permitas que a vida se perca no vazio

que a morte ao chegar encontre já feito o seu trabalho

olha o céu como quem diz adeus

como quem agradece.”

Os quadros são do israelita Gideon Rubin que se inspira em álbuns fotográficos antigos para criar as suas obras. Foi encontrado no IGNANT.


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Álbum de retratos

Quando penso nos álbuns de fotografias, vem-me sempre à memória o triste “Retrato a branco e preto” de Tom Jobim.

Comecei a fazer um álbum de retratos quando a Beatriz nasceu. Um álbum repleto de “lembranças felizes do passado para bem tratar meu coração”, ao contrário do sofredor Jobim.

Entretanto os anos passaram, mudámos de meridiano e as imagens foram-se acumulando no computador, arquivadas em frias pastas numeradas.

Sete anos mais tarde, debati-me com a dificuldade de seleccionar e acabei por imprimir 500 (!) fotografias, o que é um sinal claro dos nossos tempos excessivos. Bem… e um sinal da minha incapacidade de hierarquizar o que quer que seja relacionado com os afectos.

Reviver momentos tão felizes foi retemperador. Nestas imagens, ainda vivíamos na Figueira, a Beatriz tinha dois anos e a Branquinha tinha cauda.

Mudámo-nos, entretanto, para Estremoz e comprei, na Terrugem, um álbum consentâneo com a alteração de morada.

Por enquanto, sou eu a única entusiasmada com os álbuns, mas acredito que a Beatriz irá gostar de rever-se/nos mais tarde.

Comprei ainda outro álbum mais vulgar, o que foi uma dificuldade, pois as papelarias da cidade deixaram de vender álbuns em papel.



Acredito que, no futuro, a Beatriz irá participar na construção dos álbuns e julgo que eu, quando for velhinha, vou pedir-lhos emprestados e, durante umas belas horas, rejuvenescer.


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Risórios-de-santorini

Quando era pequena, era uma menina tímida, com covinhas na cara quando sorria e sempre agarrada à saia da Mãe. Com a idade, as covinhas foram desaparecendo e, agora, são quase imperceptíveis, como se pode ver na fotografia à direita.

Segundo o senhor Ulme, tenho razões para ficar preocupada. Já não sou tão adorável, como em criança, o que não me espanta, mas será que quando crescemos nos tornamos, infelizmente, menos humanos?

Estou seriamente preocupada com essa possibilidade.

“-Como é ela? […]

-Tem covinhas na cara.

-Os risórios-de-santorini. Saiba que é um músculo que nem todos os homens têm, um músculo devotado ao riso, só serve para isso. Quem tem covinhas tem risórios-de-santorini, quem não tem covinhas poderá ter ou não. […] estamos a falar de um músculo dedicado ao riso. Ora, como disse Samuel Lieber, o ser humano é o único animal que ri, apesar da taxa de desemprego. E se somos o único animal que ri, então os seres humanos com covinhas devem ser ainda mais humanos, e deve ser esse o motivo do fascínio que essas expressões nos provocam, esse desejo insano de nos apaixonarmos por quem tem esses acidentes na cara. “


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Bolo de iogurte marmoreado

Com as crianças ainda de férias, a alegria, as corridas, os mergulhos, as gargalhadas que só eles dão, continuam.

Continuam também os lanches junto da piscina.

Este bolo é rápido e simples de fazer.

120g de açúcar mascavado

50g de manteiga + 20 ml de azeite

4 ovos

1 iogurte natural

120g de farinha de trigo +100g de farinha integral

1 colher de chá de fermento

100g de chocolate em barra com 80% de cacau

1-Bater o açúcar com as gorduras até obter um creme liso.

2- Juntar os ovos, um a um, batendo sempre.

3- Adicionar o iogurte, a farinha e o fermento.

4- Retirar 1/3 da massa para outra tigela e envolver o chocolate derretido.

5- Colocar as duas massas (a clara e a escura) alternadamente, numa forma de bolo inglês, forrada com papel vegetal.

6- Deixar cozer 45 minutos a 180ºC e fazer o teste do palito, após esse tempo.

Não podia ser mais fácil e é sucesso garantido para um lanche entre mergulhos, com fruta ou duas colheres de iogurte grego.

No bolo da foto, decidi polvilhá-lo com sementes de cânhamo descascadas.

As sementes de cânhamo são muito ricas em proteínas e aminoácidos essenciais. Já as folhas e flores de cânhamo parecem ter outras propriedades que não aconselho…


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Nu

Joan Miró nasceu em Barcelona, em 1893, e descreve a Arte:

“O que importa é pôr a nossa alma a nu. Pintura ou poesia fazem-se como se faz amor: uma troca de sangue, um abraço total, sem nenhuma prudência, nenhuma protecção,…”

Alexandre O´Neill nasceu em Lisboa, em 1924, e creio que acreditava que só o humor nos pode salvar da mesquinhez do quotidiano. Talvez julgasse também que só o amor salva o ser humano da sua pequenez. Provavelmente, acreditava que o humor e o amor rimam muito para lá da fonética.

Em 1960, escreve “O amor é o amor”.

Descreve o sentimento de forma aparentemente infantil, mas na verdade caracteriza-o como sentimento absoluto: “o amor é o amor”. É para ser vivido em liberdade, “sem destino, sem medo, sem pudor”.

E como podemos reflectir sobre o que vem depois? Desconhecemos o futuro de um sentimento que ultrapassa o terreno humano e que toca o sonho – “Vamos ficar os dois/ a imaginar, a imaginar?…”

O amor é o amor

O amor é o amor — e depois?! 
Vamos ficar os dois 
a imaginar, a imaginar?… 

O meu peito contra o teu peito, 
cortando o mar, cortando o ar. 
Num leito 
há todo o espaço para amar! 

Na nossa carne estamos 
sem destino, sem medo, sem pudor 
e trocamos — somos um? somos dois? 
espírito e calor! 

O amor é o amor — e depois? 

Alexandre O’Neill, in Abandono Vigiado

Egon Schiele nasceu em 1890, na Áustria, e foi discípulo de Gustav Klimt. Explorou o corpo humano e, em 1917, pintou “O Abraço”.

Foi ousado e causou escândalo na sociedade vienense.

Também ele “pôs a alma a nu” ao pintar o amor.


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“A gosto”

Agosto inicia-se todos os anos vagaroso e desaparece com salto de lebre.

Não me conformo.

Desta vez, resolvi vivê-lo quase sem planos e demorei o mês inteiro para desacelerar.

No início de Setembro, prometo sempre voltar a respeitar o meu ritmo natural, mas já sei que em Outubro andarei, novamente, em alta rotação.

Desta vez, consegui estar na minha casa-ninho, na Figueira da Foz, e esquecer tarefas e outras responsabilidades por uns dias. Como parei, também sarei feridas de relações desavindas; amores desavindos com os outros e sobretudo comigo. São os que ferem mais.

Consegui focar-me, durante dias, exclusivamente na Beatriz e respirar o vento frio do Atlântico.

Consegui deitar-me no chão e olhar o céu.

Consegui passear em Coimbra com a Beatriz e mostrar-lhe a minha cidade-escola.

Fiquei muito feliz por perceber que o nosso país já não é o Portugal dos Pequenitos.

Consegui manter a calma e aceitar que o meu escritório se transformasse num famoso restaurante, por tempo indeterminado.

Consegui actualizar o álbum de retratos da Beatriz, enquanto as donas do restaurante me preparavam as mais coloridas refeições.

Não consegui que a Beatriz aceitasse o tédio e o aborrecimento como oportunidades para observar e descobrir o que a rodeia, mas não me dou por vencida.

Consegui rever amigos e jantar na Casa Havanesa, na Figueira da Foz, um lugar com muito significado para mim e onde se janta maravilhosamente.

Confirmei que a Terra Estreita é a minha praia preferida e consegui ler na toalha, pela primeira vez em oito anos.

Não estou a conseguir aceitar que o único mês “a gosto” do ano tenha terminado.

Bom reinício!