“Le souvenir est le parfum de l´âme” – (George Sand).


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Bolinho da saúde

Neste nova harmonia entre a restrição e o prazer, confesso a minha maior fraqueza: o açúcar.

Esta atração pelo doce é um impulso que permitiu a nossa sobrevivência: fez-nos procurar a fruta, rica em fibras e vitaminas.

Eu devo ter sido a australopiteca sorridente, empoleirada na figueira ou no pessegueiro, enquanto os meus companheiros roíam as pernitas de codorniz.

Continuo a gostar de fruta, claro, mas com os séculos o meu paladar sofisticou-se…

Há um mês que ñão como doces processados, o que é uma grande vitória, tendo em conta o material genético de que sou feita, mas não deixei de me deliciar com uma fatia de bolo.

Tenho procurado é que esse bolo seja nutricionalmente mais interessante do que os industriais… e que seja apreciado pelas formigas cá de casa.

Este é o bolinho da saúde que consegue enganar os mais gulosos.

Já fiz dezenas de variações e é sempre um sucesso.

Bolo de cacau

  • 200g de açúcar mascavado (ou de coco ou amarelo; se for açúcar branco podem ser 180g)
  • 5 ovos
  • 50g de azeite
  • 50g de manteiga (uso magra) ou óleo de coco
  • 100 ml de creme de soja (ou leite vegetal ou mesmo iogurte)
  • 50 g de farinha de trigo integral
  • 50 g de flocos de aveia triturados como farinha
  • 50 g de farinha de trigo norma (ou fécula de batata ou farinha Maisena)
  • 50g de nozes trituradas (ou outro fruto seco)
  • 40 g de cacau puro em pó (ou chocolate em pó)
  • 1 colher de chá de essência de baunilha
  • 1 colher de chá de fermento em pó
  • 1/2 colher de chá de bicarbonato de sódio
  • 1 pitada de flor de sal

1- Colocar no liquidificador o açúcar, os ovos, o azeite, a manteiga, o creme de soja, as nozes, o cacau, a baunilha e o sal e triturar bem até obter um creme homogéneo.

2- Verter a mistura numa taça e envolver bem as farinhas (previamente misturadas com o fermento e o bicarbonato).

3- Levar ao forno previamente aquecido a 180ºC em forma untada ou revestida com papel vegetal.

Apesar de ser aborrecido juntar tantos ingredientes diferentes, a confecção do bolo é tão fácil que compensa as medições.

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“A cidade ainda ali estava”

O livro Ensaio sobre a Cegueira de José Saramago nunca foi tão actual.

Resumidamente, relata-nos o horror de uma cidade assolada por casos de cegueira inesperada e contagiosa.

Dado o nosso contexto desde Março, facilmente a intriga se tornou tristemente verosímil. Ao lermos o livro, partilhamos o medo que se apodera dos habitantes, as precipitações políticas, a perda de direitos fundamentais e o caos que se instala. Temos de lhes juntar uma componente extra de terror, pânico e fome.

Por outras palavras, o livro relata uma Covid-19 hiperbolizada.

Torna-se chocante assistirmos à degradação total da condição humana. Fica provado que, perante a escassez de alimentos e o caos, é muito fácil perdermos a nossa humanidade. Demasiado fácil.

No livro, a cegueira que atinge as personagens é, obviamente, uma metáfora que vai sendo descodificada ao longo da acção e que se torna clara na última página:

“Por que foi que cegámos, Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer
a razão, Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegámos, penso
que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem.”

O livro termina com a misteriosa frase:

“A cidade ainda ali estava”.

Na altura, não percebi esta frase que encerra a obra, mas Saramago, nesta entrevista a Ana Sousa Dias, explica-a:

A cidade continua presente e expectante, em pausa.

Mas será que os homens, depois da “cegueira física” ser curada, voltam mais sábios? Será que se questionam sobre a forma como estavam organizados,?Será que vão alterar alguma coisa?

Neste momento que nós vivemos, é mesmo esta a questão: o mundo paralisou de medo e por decreto. Aos poucos, regressámos e parece que o pior já passou, mas será que aprendemos alguma coisa?

Ingenuamente, em Abril e Maio, pensei que sim, mas sinto que nos perdemos desse rumo mais generoso: estamos tensos, pouco empáticos e muito auto-centrados… como sempre fomos.

Acredito que a nossa vida é construída de detalhes que se acumulam e não tanto de grandes gestos. Há novos pormenores do nosso quotidiano que estão a marcar-nos. O distanciamento, a ausência da pele e do calor do outro é um deles, mas a máscara também está a deixar consequências.

O uso constante da máscara pode proteger-nos, mas retira-nos a individualidade e cega-nos.

Somos, agora, seres que se cruzam mas não se reconhecem.

Somos casos de que os jornalistas, à noite, falam, mas perdemos a identidade. A identidade é o que nos resta quando tudo se dissipa.

Aprendemos, desde bebés, a reconhecer o outro através da face. Se esta é engolida por uma máscara, ignoramo-lo e desprezamos, inconscientemente, a sua peculiaridade, necessidades e emoções.

Toda a situação pandémica está a ganhar novos contornos bizarros e cruéis de filme de segunda categoria.

Mais uma vez, talvez nos salve a literatura.

Como nos diz Saramago,

“A cidade/ o mundo ainda ali está.”

E, nós, que fazemos?


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Redondezas

Aceitar a modificação progressiva do corpo é difícil e é um percurso.

Depois de ter saído vitoriosa da grande missão que foi confiada ao meu corpo: criar, dar à luz e alimentar em exclusivo um ser humano até aos seis meses, apaziguei-me com as falhas estéticas do meu corpo.

Estava de parabéns: aquele corpo baixo e estreito tinha concluído a mais divina gesta, concretizou a gestação, e continuou elegante e invencível.

Entretanto, passaram-se mais nove anos e o metabolismo abrandou, a energia para o desporto caiu a pique, as hormonas trairam-me e a minha estrutura corporal modificou-se.

O corpo magro deixou de ser magro, ganhou seis quilos, arredondou-se e eu estranhei-me.

Comecei, insensata e ingratamente, a desdenhar um corpo que luta todos os dias para que eu me movimente, trabalhe, tenha prazer e viva, há mais de quatro décadas, cheia de saúde.

Não faz qualquer sentido estar nesta rejeição.

É muito fácil apontar culpados: estamos sujeitos a uma colossal pressão mediática e a referências estéticas (irreais e/ou minoritárias) que diariamente dinamitam a nossa auto-estima.

Hoje, gritam-nos que ser gordo é ser feio e a “gordofobia” não é um mito urbano.

Tenho oscilado muito e sei que tenho de aceitar algumas mudanças, mas busco ainda o equilíbrio entre viver em restrição alimentar constante e um potencial desleixo alimentar; um desleixo que não aceito nas restantes vertentes da minha vida.

A entrevista a Isabel do Carmo, fundadora da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, da Sociedade Portuguesa de Diabetologia e fundadora da Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade, entre muitas outras funções (coordenadora do Estudo de Prevalência da Anorexia Nervosa nos Distritos de Lisboa e Setúbal, diretora do Serviço de Endocrinologia do hospital de Snta Maria,…) é muito esclarecedora.

Por exempo, a celulite que me indigna e que vou combatento com bravura, permitiu-nos a todas chegar saudáveis ao século XXI:

Aquela redondez das ancas e das coxas é saudável. É saudável porque retém os ácidos gordos que estão a circular no sangue. Aquela gordura puxa-os e retém-nos. É bom que eles fiquem ali e não andem a passear no sangue.

Se os ácidos gordos andarem a circular com excesso no sangue, a dada altura aderem à superfície das artérias, como a ferrugem dos canos da água — aderem à parede, a parede inflama-se e ao longo dos anos isto pode diminuir a passagem do sangue, que é o que dá origem aos enfartes do miocárdio e acidentes vasculares cerebrais. Portanto, é bom que a gordura não seja excessiva no sangue, sobretudo as que têm uma densidade mais baixa, que aderem mais facilmente à parede das artérias. As mulheres com as suas ancas e coxas puxam essa gordura e fixam-na ali. Mas depois chamam-lhe celulite, bochechinhas, e outras coisas assim. E não gostam. Muitas vezes é excessivo e é compreensível que não gostem. Mas antes ali do que noutras partes do corpo.”

Isabel do Carmo refere ainda mitos alimentares convenientes à indústria alimentar tal como a “intolerância à lactose ou ao glúten”, os benefícios da soja e os suplementos alimentares, os alimentos que nos dão energia, o excesso de proteínas (em detrimentos de hidratos de carbono de qualidade) nesta entrevista e no seu livro Alimentação: mitos e factos – Uma perspectiva científica.

Em relação às modelos XL, alerta-nos para a importância da diversidade entrar na nossa visão. Não se está a promover a obesidade, está-se a lutar contra a estigmatização e a dizer que os corpos volumosos existem.

Faço o mea culpa; gosto tanto de fotografia, mas invariavelmente escolho modelos que podem ter rostos invulgares mas que são magros.

Também eu vou tentar mudar e, para já, alterar as pessoas que sigo no Instagram e tornar os meus padrões de beleza cada vez mais vastos e diversificados.

A Mafalda Fonseca é esta mulher sexy e poderosa que devia estar em vários outdoors do mundo. Tenho aprendido muito nos stories do seu Instagram My Favourite Milkshake, inclusivamente acerca de gordofobia, que é um tema a que eu não era sensível.

Recomendo também este artigo de Ana Luísa Bernardino para quem, como eu até há bem pouco tempo, são sabe o que é a gordofobia.


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Encontrar

Foi um Verão feliz.

Fomos agraciados com a Leonor e retemperámo-nos longe de notícias assoladoras.

Esta praia é perfeita para o reencontro.

Penso muito nela durante todo o ano.

Recordo-a, seguindo a dicotomia de que Sophia fala: praia/mundo, num poema que me é recorrente e com o qual mantenho uma relação circular: quando leio o poema, lembro-me desta praia e, quando piso esta areia, ouço a Sophia.

Eu me perdi

Eu me perdi na sordidez de um mundo
Onde era preciso ser
Polícia, agiota, fariseu
Ou cocote

Eu me perdi na sordidez do mundo
Eu me salvei na limpidez da terra

Eu me busquei no vento e me encontrei no mar
E nunca
Um navio da costa se afastou
Sem me levar

Gosto de beber café numa esplanada e observar uma praça movimentada, mas na praia prefiro estar sozinha com os “meus”.

Estamos despidos e expostos, longe da “sordidez do mundo”.

É o tempo de encontrar a nossa pele, sempre escondida por baixo de roupas e máscaras (agora até literais).

A praia da Murtinheira, na Figueira da Foz, é nossa: a praia da infância, das longas caminhadas confidentes e dos dias bons.

Uma praia com poucos apreciadores, mesmo em pleno Agosto, ao meio-dia: a água gela os ossos, o nevoeiro custa a levantar e as ondas são traiçoeiras e, geralmente, furiosas.

É a praia dos amantes de Geologia, mas não é o spot dos sunsets.

Ao longo destas falésias do Cabo Mondego, observa-se “o maior afloramento do Jurássico da Europa; concretamente, na praia da Murtinheira encontra-se o estratotipo da passagem Aaleniano-Bajociano”.

Na minha profunda ignorância, pressinto mundos ancestrais nestas falésias – passearam por aqui dinossauros – mas contento-me em explorar as grutas, na maré baixa.

Chegou Setembro e, agora, terei de ser, novamente, “polícia, agiota, fariseu ou cocote”, mas tatuo a mensagem de sobrevivência:

“nunca um navio da costa se afastou sem me levar”.


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Leonor

Foi um Verão muito feliz!

Aconteceu-nos a dádiva com que todos somos agraciados e que tendemos a esquecer, durante a vida: o nascimento.

A Leonor, tão pequenina, nasceu e manifestou logo os seus super-poderes: fez-me acreditar que o mundo ainda tem salvação.

Se nascemos tão belos e puros, isso só pode significar que viemos em missão de paz e havemos, mais cedo do que tarde, de retomá-la e expandi-la.

O poeta Jorge de Sousa Braga sabe bem o que se passou nestes últimos meses na vida da Leonor e escreveu um diário poético.

Diário de Bordo

Mãe
hoje abriu-se uma janela pela primeira vez
mas tudo o que pudeste ver foi um pequeno lago de águas
adormecidas,
rodeado por margens de areia brilhante
um pequeno lago alimentado por inúmeros afluentes

Mãe
passou uma semana e o meu minúsculo coração agita já as águas desse
lago
Estou agarrado à margem vejo ao longe uma pequena bóia
mas o medo impede-me de me afastar

Mãe
porque é que andas tão enjoada?
Passas a vida a correr para o quarto de banho
Não toleras o cheiro a fritos nem o after-shave do pai
Espero que não enjoes do cheiro a jasmim

Por favor não me confundam com um girino
Embora não tenha nada contra as rãs
e muito menos contra as libélulas que povoam os outros lagos

Mãe
estou a ficar velho
disseram-me que já deixei de ser embrião
Mediram-me a translucência da nuca
e eu aproveitei para realizar algumas pequenas acrobacias

Hoje fiquei finalmente a saber que tinha ventrículos pulmões
estômago e uma série de coisas mais
incluindo uns grandes lábios que quase pareciam bolsas escrotais
E eu que pensava que aquilo que tinha entre as pernas era uma rosa

Mãe
Porque é que meu coração bate tão acelerado?
Por mais que tente não consigo sincronizá-lo com o teu

Mãe
Só conheço a cor do crepúsculo
Estou morto por conhecer as outras cores do arco-íris

Mãe
Hoje surprendi-te quando te olhavas nua ao espelho
as mãos sobre o púbis segurando a barriga enorme

Mãe
Às vezes os dias são um pouco monótonos
de forma que me entretive a fazer nós com o cordão umbilical

Mãe
Estás com umas olheiras enormes
Pelos vistos não te deixei dormir
Passei a noite toda a deambular pelos recantos mais sinuosos do teu
útero
a ver se descobria alguma água-marinha

Mãe
Podias ter colocado alguns peixinhos no líquido amniótico
Já agora um beta e alguns escalares
E porque não alguns nenúfares?

[…]

Mãe
O que está a acontecer?
O teu útero começou a contrair-se
e as contracções vão-se tornando cada vez mais frequentes

Mãe
O que é que eu fiz
para me expulsares assim desta maneira?

Mãe
A distância entre mim e ti
não se mede em centímetros mas em lilases 

Jorge de Sousa Braga é poeta e médico, especializado em Ginecologia e Obstetrícia; portanto, reúne todos os conhecimentos científicos para relatar os sonhos do bebé quando este ainda nada na barriga da mãe.

Pela fotografia da Leonor, sei bem que a sobrinha mais linda do mundo ainda sonha com jasmim, peixinhos e escalares riscados.

Mas estou certa de que irá deslumbrar-se muito em breve com as cores do arco-íris.

Quanto a mim, vou tentar honrá-la e manter o foco na missão que me permitiu nascer: expandir a paz.