“Le souvenir est le parfum de l´âme” – (George Sand).


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Florir

Durante anos, trouxe flores para dentro de casa.

Achava poética a ideia das flores, tão efémeras, morrerem acompanhadas e contempladas.

Faziam-me bem as cores do campo em casa.

Cheguei a exagerar nas mimosas, completamente inebriada pela minha tonalidade de amarelo preferida.

A Beatriz cresceu e, nem sei bem a razão, perdi o hábito.

Talvez saiba porquê: o meu quintal está totalmente selvagem, numa autogestão que me surpreende com orégãos e espinafres, mas também com urtigas, folhas secas e ervas daninhas.

Quando vi a imagem desta cozinha, percebi que tinha de mudar.

Eu quero estas cores, de novo, na minha vida!

A ideia da prateleira com flores e livros na cabeceira da cama já está anotada.

Será que os meus gatos não irão delirar com a ideia de uma ponte florida?

Estas plantas parecem sobreviver a um cão.

Pelo menos nos minutos que demorou a tirar a fotografia…

O próximo passo é tratar do meu terraço e do meu quintal; só assim terei um fornecedor esplendoroso e gratuito de flores.

Tenho de encontrar motivação para enfrentar o monstro verde.

O meu subconsciente é retorcido.

Há poucos anos, só fui arrancar as ervas do quintal quando fui atingida por um surto de inveja pela Anita, ao ler o livro Anita e o Jardim. Achei que eu, Ana, não era menos do que aquela menina rosadinha e dinâmica e pus mãos à obra.

Agora, espero que estas fotografias de sonho resultem, mas tenho de admitir que os sentimentos que me deixam verde por dentro são bem mais eficazes.

As fotografias são Laugh at you.

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Autocaravanismo (para totós) na Costa del Sol

Dez dias numa autocaravana faz-me pouco mais do que totó no caravanismo, mas já tenho estatuto para tecer considerações e adiantar dicas.

Confirmo que é uma sensação intensa de liberdade partir sem planos, fazer o roteiro no dia a dia, avançar ou parar consoante a disposição e a paisagem e não ter de pensar que há uma reserva feita, um hotel para procurar ou uma tenda para montar ao fim do dia. É o compromisso ideal entre rebeldia e conforto, que a pessoa já não tem costas para a insurreição total e dormir no chão da praia.

A minha ideia inicial era ir avançando, sem compromisso, pela Costa del Sol até encontrar a praia onde me apetecesse ficar.

Houve noites com esta vista e em que adormeci a ouvir o mar, o que retempera qualquer coração inquieto. Desconfio, seriamente, que os meus neurónios têm a forma de algas.

Não tive qualquer problema em pernoitar junto de um miradouro ou perto da praia. Pelo que li, pode-se fazê-lo, desde que não haja sinalização específica a proibir autocaravanas e não se coloque qualquer equipamento (cadeiras, mesas ou toldos) fora da carrinha. Também nunca me senti em perigo, mas segui muito a minha intuição em relação aos lugares e posso ter tido sorte de iniciante.

Nas cidades, como Sevilha, Ronda e Málaga, não foi fácil encontrar paisagens magníficas onde fosse permitido (e seguro!) passar a noite e, nesse caso, os parques pagos foram a opção. Zero romantismo, mas total segurança.

Estas manhãs foram menos bucólicas e ficou claro que as autocaravanas não são feitas para explorar cidades, por razões de volumetria óbvias.

Visitar cidades não fazia parte do meu objetivo inicial, mas fiquei com muita vontade de voltar a Málaga e visitar a Fundação Picasso.

A Costa del Sol começa em Tarifa, uma cidade histórica, mas talvez por este passado ser demasiado sangrento, não me senti especialmente atraída pela cidade. No entanto, a paisagem da estrada que liga Algeciras a Tarifa é de cortar a respiração e fiquei emocionada ao avistar África (Ceuta vê-se perfeitamente).

Confirmei que Tarifa não me era favorável. Fui multada por mau estacionamento e aprendi que uma autocaravana não é propriamente discreta para infringir regras de trânsito.

A influência árabe na cidade é evidente na decoração, na arquitetura e na gastronomia.

Continuo sem perceber como continuamos a viver este apagamento da evidente e secular presença árabe nos costumes, língua e tradições dos povos ibéricos. Parece que nunca nos libertámos totalmente da prática de “terra queimada” praticada durante a reconquista cristã.

A variedade e qualidade do pão de Tarifa impressionou-me; é o resultado da convivência de várias técnicas culturais e práticas ancestrais.

Entretanto, segui pela Costa del Sol e apareceram-me algumas praias pequenas e menos frequentadas; a minha intenção, desde o início da viagem, era evitar os aglomerados de Marbella ou Torremolinos.

A água do Mediterrâneo é transparente e tépida e, fugindo destas cidades-empreendimento, há surpresas muito boas, mas nada como a que me esperava um pouco mais a Este.

Nerja – terminou a busca!

Senti-me imediatamente confortável na cidade, talvez porque passei muitas tardes neste cenário quando era pré-adolescente: foi em Nerja que se filmou o “Verão Azul”. A cidade não é cara, os hotéis são poucos e discretos e as referências ao capitão Chanquete, ao Piraña e ao resto do grupo seduziram-me.

Balcón de Europa – Nerja

As praias não estão super-lotadas e têm chuveiros de água doce, o que é essencial para o autocaravanista asseado.

Na verdade, a casa de banho foi a minha grande desilusão na autocaravana. O depósito de água limpa é minúsculo: 2 banhos rápidos esgotam a reserva e nem sobra uma gota para o lavatório ou para o lava-louças. É verdade que em qualquer torneira (paga ou gratuita) se enche o depósito, mas a ideia idílica de estar autonomamente estacionado por dois dias não é real. O depósito das águas negras também é problemático: minúsculo, pouco perfumado e esvaziá-lo já não é tão fácil, embora as cidades tenham áreas de serviço para autocaravanas – ASA (com locais específicos para os diferentes resíduos). Em SOS, pode-se esvaziá-lo numa casa de banho, mas não é a melhor solução.

Nerja revelou-se o destino da viagem, mas ainda houve outra surpresa.

No regresso a Portugal, passei por Ronda.

Puente Nuevo, do século XVIII, galga a garganta do Tejo

Uma cidade vertical (literalmente) com origem árabe e que, mais tarde, se notabilizou pelas lides tauromáquicas (o aspecto que me desagradou…).

É tão incrível o facto vertiginoso de ter sido construída no cimo de um desfiladeiro e tão encantatória que conquistou artistas como Orson Welles e Ernest Hemingway. Orson Welles morreu nos E.U.A. mas pediu que as suas cinzas repousassem em Ronda.

A cidade antiga, com arquitetura muçulmana e o palácio de Abbel Mallek, filho do rei de Marrocos

Também foi em Ronda que encontrei o melhor café expresso. Apeteceu-me tanto beijar a senhora, depois de 8 dias de uma triste água suja!

Quanto à experiência caravanista, de facto o aluguer não é barato, sobretudo na época alta, mas a cozinha equipada foi uma inesperada vantagem que contribuiu para economizar nas refeições: é muito prático usá-la e muito cómodo, porque não obriga a sair e a procurar um restaurante diariamente.

A noção de privacidade e higiene alterou-se, ao longo dos dias, mas aconteceram muitos episódios cómicos que, desconfio, não serão só fruto da inexperiência; as circunstâncias são muito diferentes daquelas a que estou habituada na minha casa grande!

O inconveniente de conduzir um furgão-caracol que é alugado é que temos de ter sorte com a empresa em quem confiámos uma fiança. Não foi o caso: Autocaravanas Badajoz nunca mais!

O balanço é, no entanto, muito positivo, sobretudo porque o objetivo era desintoxicar de wi-fi, esquecer testes, notícias e certificados Covid, horários e check-lists, partir sem ideias pré-definidas, respirar e descobrir a melhor praia da Costa del Sol.

Fica um lembrete: para a próxima, optarei por um modelo mais simples e mais pequeno que permita alguma agilidade na cidade (e uma empresa honesta!).

Málaga ficou já no roteiro de 2022!


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Sentimental

Uma carência de serotonina, uma crise de meia idade ou a ressaca de tantos meses de tensão global pandémica levaram-me a um estado meditativo solitário. Foi profundo e com o tempo certo, vejo agora, mas estas inquietações da alma parecem-me sempre prolongadas.

Sinto uma revolta natural contra este tipo de desassossego que perdura.

Talvez seja porque a melancolia crónica me derruba e me obriga à introespecção improdutiva.

Insanamente, continuo a medir os meus dias pelos actos e tarefas que equacionei e não pelos progressos mentais ou emocionais que resolvi. Na verdade, estes últimos são muito mais determinantes para o meu bem-estar do que os primeiros, mas desenrolam-se de uma forma lenta, discreta e, frequentemente, imperceptível.

Felizmente, o corpo e a mente têm sempre a capacidade de me obrigar à pausa e assim aconteceu.

Respeitar-me, retomar a psicoterapia, dar e receber amor em todas as suas formas e usufruir da arte humana e natural sempre foram os responsáveis pela minha salvação. Desta vez, também me resgataram.

Regressei à leitura prazerosa com Ferrante e Jávier Marias, voltei a emocionar-me com as palavras da Cláudia Lucas Chéu e com este vídeo de Roger Wolfe (entrevistado pela Raquel Marinho), entusiasmei-me com o teatro, prestei culto a programas como o da Gabriela Moita, oportunamente intitulado “Impaciência do Coração“, dormi, abracei, viajei e voltei a sentir-me livre, como já não acontecia desde 2019.

A poesia ajuda-me a conhecer-me melhor, ensina-me a conviver com a minha natureza sentimental (como refere Roger Wolfe), orienta-me de forma a aceitar a angústia inevitável das almas inquietas que, imprudentemente, chega como uma onda que gela. Durante a vaga gelada, terei de aprender a não me debater de imediato, pois a reacção frontal contra uma força inexpugnável conduz a um esgotamento inútil.

Serei paciente e aproveitarei a maré posterior para boiar até à baía onde tenho pé.

Sou afortunada.

Na costa, há sempre a possibilidade de abarcar a beleza extraodinária da minha vida e do mundo.

Bom recomeço!