“Porque pertenço à raça daqueles que percorrem o labirinto,
Sem jamais perderem o fio de linho da palavra.”
(final do poema “O Minotauro”, de Sophia de Mello Breyner)
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Atravessámos quase dois anos de pandemia e não aprendemos o que é realmente importante.
Houve palmas para os médicos e enfermeiros, mas não se melhoraram as condições de trabalho destas profissões. Reconheceu-se o papel do sector cultural, durante os confinamentos, mas continua a precariedade no sector. Realçou-se o desempenho dos professores, mas prolifera a desvalorização social e política da profissão.
Não evoluiremos, enquanto não percebermos que a saúde, a justiça, a arte e o conhecimento são os verdadeiros pilares de um povo. Já que não brilhamos com euros ou dólares nos bolsos, poderíamos apostar na luminescência espiritual…

Vivemos na vertigem da rapidez e da mudança; só interessa o que flui ou telinta.
A comunicação seguiu a tendência e privilegia o emoji e a imagem.
A palavra, que nos distingue enquanto espécie, exige tempo e concentração e não temos nem um, nem outra.
Para contrariar esta perversidade, é primordial ensinar a fruir o tempo livre, assim como é essencial treinar a capacidade de concentração e educar para a empatia e para a gestão das emoções.
Ser professor é uma nobre profissão: é ao professor que compete a reponsabilidade de recolocar o foco da sociedade na palavra. Os professores são, por princípio, os guardiões da palavra (falada e escrita).
O início dos séculos e dos milénios são sempre conturbados e, no início do nosso, criou-se alguma confusão em relação à função do professor.
Criou-se o jargão retórico de que o professor do século XXI devia ser jovial, sintético e multimédia.
O discurso e o diálogo ficavam, definitivamente, no século XX.
Felizmente, acima das modas barrocas, está a nossa ancestralidade cultural e a palavra está connosco desde o início; é a ela que instintivamente recorremos quando tudo é incerto e rui.
Está provado que, perante a avalanche tecnológica, a solidão aumenta proporcionalmente, assim como a depressão. Não aprendemos a escutar, mas temos uma necessidade premente de sermos ouvidos.
Educar para a escuta ativa, para a reflexão e para a palavra: são estes os verdadeiros lemas desta professora do século XXI. A multimédia é apenas uma excelente ferramenta para chegar a este fim.
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Eugénio de Andrade fala nos guardiões de sementes:
“Que fizeste das palavras?
Que contas darás dessas vogais
de um azul tão apaziguado?
E das consoantes, que lhes dirás,
ardendo entre o fulgor
das laranjas e do sol dos cavalos?
Que lhes dirás, quando
te perguntarem pelas minúsculas
sementes que te confiaram?”
O Original é a Cultura regressou e o episódio da rentrée foi precisamente dedicado aos professores.
Fotografia de Brian Oldham.
19 de Outubro de 2021 às 12:09
A pandemia só escancarou as nossas mazelas… e pior que a maioria fingiu não ver. Bateu palmas porque outros baterem, comemorou pelo outro. Mas voltou para o seu cantinho de mundo, diante de uma tela, onde assisti a si mesmo e não se dá conta disso.
Triste, minha cara. Eu não sei o que ainda precisa acontecer para que despertem desse transe onde se enfiaram.
bacio
20 de Outubro de 2021 às 15:24
Muito bem analisado, Lunna! Foi mesmo o que aconteceu.
O que faltará acontecer para que as consciências despertem?