Com a idade a avançar, também surgem boas mudanças: encontro em mim a constância e as referências que me permitem confrontar-me com o ensaio, género que nunca me cativou enquanto literatura prazerosa.
A Utilidade do Inútil é um manifesto do filósofo italiano Nuccio Ordine que nos interpela nestes tempos de decadência e escuridão. É precisamente quando a crise se agudiza que o sentido prático domina e só se salva o que é útil, ou seja, o que produz lucro.
Ordine chama a atenção para o perigo de construirmos um mundo que anseia correr, mesmo que não saiba para onde. Para contrariar esta questão, este sentido único e cego na direcção do fogo do dinheiro, o filósofo evidencia a importância de todos os filósofos, cientistas e escritores que, com os seus pensamentos e descobertas inúteis, foram dando algum sentido ao caos.
Neste excerto do livro, cita-se Kakuzo Okakura que explica como é o inútil que nos torna humanos; de facto, se pensarmos bem, nenhum outro animal coloca na sua toca um objecto decorativo ou oferece ao seu parceiro um adorno estético.
“O japonês Kakuzo Okakura atribui à descoberta do inútil o salto que assinalou a passagem da feritas à humanitas. No seu livro A Cerimónia do Chá (1906), num apaixonado capítulo dedicado às flores, alvitra que a poesia amorosa teve origem no mesmo momento que nasceu o amor pelas flores:
O homem primordial superou a sua condição de bruto ao oferecer a primeira grinalda à sua rapariga.
Elevando-se acima das necessidades naturais primitivas, tornou-se humano. Quando percebeu o uso que se podia fazer do inútil, o homem fez a sua entrada no reino da arte“.
Fotografia: IGNANT.