Eugène Ionesco, numa conferência realizada em 1961, faz um retrato dos nossos dias:
“Vejam como as pessoas correm atarefadas pelas ruas.
Não olham para a direita nem para a esquerda, preocupadas, de olhos fixos no chão, como cães.
Caminham a direito, mas sempre sem olhar em frente, pois seguem maquinalmente um percurso já bem conhecido.
Em todas as cidades do mundo, é assim que acontece.
O homem moderno, universal, é o homem atarefado, que não tem tempo, que é escravo da necessidade, que não compreende que uma coisa possa não ser útil; que não compreende sequer que, na realidade, o útil pode ser um peso inútil, opressivo.
Se não se compreende a utilidade do inútil e a inutilidade do útil, não se compreende a arte;
e um país onde não se compreende a arte é um país de escravos ou autómatos, um país de pessoas infelizes, pessoas que não riem nem sorriem, um país sem espírito;
onde não há humorismo, não há riso, há raiva e ódio.”

Sessenta anos depois, vários choques tecnológicos e vias rápidas digitais/de betão mais tarde, e assim continuamos… não só nas grandes cidades, mas também nas pequenas cidades do interior. Basta uma distração, uma fresta aberta no autopoliciamento e embarco com facilidade na caderneta do humano atarefado.
Por ansiedade ou frenesim natural, sou permeável à alta voltagem das urgências pessoais, familiares e profissionais do dia; por autoexigência excessiva planeio 1000 tarefas impossíveis de concretizar num só dia. Resultado? Fico exausta e frustrada.
Devido à minha cordialidade natural, percebi que os outros esperam de mim um autoajuste inesgotável e só se surpreendem quando não cumpro. Também por isso, tive de aprender a observar-me e a desacelerar aos primeiros sinais de stress descontrolado.
Sei que o percurso ainda é longo. Mas imperioso.
Para além de não querer adoecer com excesso de cortisol, nem consigo conceber a ideia de me tornar um autómato e, com as opressões quotidianas, não contemplar o céu, a Primavera, a arte e as pessoas bonitas!

As cidades das máquinas: IGNANT.
Texto de Eugène Ionesco: daqui.
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