Redmond Barry foi convidado a refletir acerca das relações amorosas:
“[…] os filhos monopolizam os cuidados e carinhos maternos a tal ponto que, ao cabo de alguns anos, quase não haverá espaço para [o marido] no coração da mulher”. […]
[regista-se] afastamento emocional entre marido e mulher após o nascimento dos respetivos filhos.
[Actualmente] À classe masculina, nos relacionamentos heterossexuais, cabem as mesmas queixas efetuadas observadas há quase cento e vinte anos pelo lavrador de Elvas.”
♥
Houve muitos comentários públicos e privados às palavras de Redmond Barry, maioritariamente masculinos. Apercebi-me de que ainda vivemos numa cultura que limita a verbalização do sofrimento emocional masculino. “Os homens não choram” é a frase mais destruidora da saúde mental: as lágrimas que se engolem afogam-nos, mais cedo ou mais tarde.
Na verdade, a invulnerabilidade e o perfeccionismo ampliados pelas redes sociais e por uma cultura de sucesso ostensivo cilindra mulheres e homens.
A única solução que me parece viável para mitigar os afastamentos amorosos (os que podem ser mitigados…) talvez passe por negarmos essa superficialidade e chorarmos juntos, quando estamos angustiados ou desiludidos com o rumo da relação. De preferência, sem acusações, sem subterfúgios, sem belicismos e sem amarguras.
É quase impossível, quando somos só humanos.
Não considero que a culpa do afastamento esteja no masculino ou no feminino: a vida a dois a longo prazo nos moldes convencionais não é para todos; a vida a dois a longo prazo, com filhos, talvez seja só para quem tenha uma capacidade de abnegação extraordinária… e uma enorme resistência ao tédio.
Concordo com o diagnóstico apontado por Redmond Barry, mas não coloco o ónus na mulher.
Nos primeiros meses/anos com bebés em casa, há um vendaval de hormonas, de tarefas, de reajustes, de solicitações e de amor rupestre que nos abalroa. A prioridade é sobreviver à exaustão. Se tudo correr bem, é um trabalho de equipa de dois esfarrapadas: a mulher está completamente assoberbada e o homem está a tentar perceber o seu lugar naquele desalinho global que não sabe/não consegue/não quer organizar.
Talvez a mulher ande mais distraída da relação romântica durante os primeiros meses, mas a frustração pela falta de humor, cumplicidade e erotismo também chegará, indecorosamente. É-nos ainda difícil verbalizar essas contrariedades, sobretudo depois de sermos mãe. Esse será um bom tema para outra conversa, Redmond Berry!
Os nossos progenitores repetiram os moldes do passado: as nossas mães lavaram incontáveis fraldas de pano, no intervalo dos exigentes horários de trabalho, e os nossos pais giraram entre a profissão e a mesa da cozinha… apenas para jantar.
Nós quisemos testar novas fórmulas e cometemos muitos erros, erros novos e inéditos.
Acredito que estamos numa época de viragem de modelo familiar, necessariamente tumultuosa: os homens tornaram-se plenamente presentes na educação dos filhos, mas não tanto na vida doméstica que continua a recair de forma pouco equitativa e asfixiante sobre a mulher.
Quanto a mim, quis ser o que as mulheres que me antecederam não ambicionaram: uma mãe mais do que incrível, absolutamente extraordinária, uma profissional incansável, empreendedora, criadora de conteúdos inspiradores, decoradora boho, no meio do ciclone que é mudar de casa duas vezes e estabilizar-me numa nova cidade. Tudo isto antes da Beatriz fazer 3 anos!
Claro que esta imagem utópica da mãe do novo milénio é esquizofrénica: foram 3 anos de que mal me lembro.
Acabei por me perder e colocar em coma a Ana que eu conhecia.
Acredito que acontece com muitas mulheres esta luta interna entre a realidade e uma versão de si próprias fantasiosamente moderna e que se revela auto e heterodestruidora.
Foi o que me aconteceu, aos 35 anos, quando acrescentei uma filha a uma relação de 10 anos, com o melhor pai que poderia ter encontrado.
Demorei quase uma década a estabilizar-me. Ainda estou em processo, mas muito mais consciente do que me cilindra.
Aprendi a confiar e a delegar nos outros, mesmo sabendo que, muitas vezes, eu faço de forma diferente e, provavelmente, melhor. Também me ajudou morder a língua quando estava para sair uma crítica acerca da fralda mal colocada ou do pijama cheio de nódoas que saiu, alegremente, à rua.
Há, no entanto, casos graves de falta de comunicação e de atenção em que cada amante se fecha e acumula mágoas que minam a concha comum até não sobrar nada.
E há o que, do meu ponto de vista, não tem solução: a total desilusão relativamente ao companheiro que não corresponde ao pai que nós queremos para o nosso filho. Julgo que essa é mesmo a dor maior e o afastamento, neste caso, é irreversível.
Rainer Maria Rilke em Cartas a um Jovem Poeta confidencia-nos:
“As exigências que o difícil trabalho do amor coloca ao nosso desenvolvimento são maiores do que aquilo que é natural, e nós, principiantes, não estamos à sua altura.”
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