“Le souvenir est le parfum de l´âme” – (George Sand).


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Levezas

O Alentejo tem estado insuportavelmente quente e, como sempre, fugimos, em Agosto, para o mar materno.

Levo um T.P.C.: treinar este up de estilo com as dezenas de lenços e écharpes que acumulei ao longo dos anos e que já não uso ao pescoço.

E alguns vestidos leves na mala.

Tenho à minha espera, na marginal figueirense, uma bicicleta oferecida pelo meu Pai, mas palpita-me que só no Pinterest se consegue este ar fresco e elegante… Lembrete: usar um vestido ou saia pretos.

Eu sujei o meu vestido de linho com óleo, na primeira tentativa glamorosa.

De resto, é apanhar sol e mar, brindar às férias e abusar das minhas escolhas de estações passadas.

Encurtar a saia, enquanto não sou perscrutada por duas dezenas de adolescentes, também é uma opção..

Como não sou perfeita, prevariquei e comprei estas sandálias, com a condição de calcorrear novos caminhos.

Estas são a prevaricação do ano passado!

Para me redimir, vou tentar recuperar os velhos coletes para a rentrée!

Boas Férias!

Redmond Barry promete voltar a desassossegar-nos em Setembro!

Mas vamos embarcar em 30 dias de Leveza!

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Principiantes

Redmond Barry foi convidado a refletir acerca das relações amorosas:

“[…] os filhos monopolizam os cuidados e carinhos maternos a tal ponto que, ao cabo de alguns anos, quase não haverá espaço para [o marido] no coração da mulher”. […]

[regista-se] afastamento emocional entre marido e mulher após o nascimento dos respetivos filhos.

[Actualmente] À classe masculina, nos relacionamentos heterossexuais, cabem as mesmas queixas efetuadas observadas há quase cento e vinte anos pelo lavrador de Elvas.” 

Houve muitos comentários públicos e privados às palavras de Redmond Barry, maioritariamente masculinos. Apercebi-me de que ainda vivemos numa cultura que limita a verbalização do sofrimento emocional masculino. “Os homens não choram” é a frase mais destruidora da saúde mental: as lágrimas que se engolem afogam-nos, mais cedo ou mais tarde.

Na verdade, a invulnerabilidade e o perfeccionismo ampliados pelas redes sociais e por uma cultura de sucesso ostensivo cilindra mulheres e homens.

A única solução que me parece viável para mitigar os afastamentos amorosos (os que podem ser mitigados…) talvez passe por negarmos essa superficialidade e chorarmos juntos, quando estamos angustiados ou desiludidos com o rumo da relação. De preferência, sem acusações, sem subterfúgios, sem belicismos e sem amarguras.

É quase impossível, quando somos só humanos.

Não considero que a culpa do afastamento esteja no masculino ou no feminino: a vida a dois a longo prazo nos moldes convencionais não é para todos; a vida a dois a longo prazo, com filhos, talvez seja só para quem tenha uma capacidade de abnegação extraordinária… e uma enorme resistência ao tédio.

Concordo com o diagnóstico apontado por Redmond Barry, mas não coloco o ónus na mulher.

Nos primeiros meses/anos com bebés em casa, há um vendaval de hormonas, de tarefas, de reajustes, de solicitações e de amor rupestre que nos abalroa. A prioridade é sobreviver à exaustão. Se tudo correr bem, é um trabalho de equipa de dois esfarrapadas: a mulher está completamente assoberbada e o homem está a tentar perceber o seu lugar naquele desalinho global que não sabe/não consegue/não quer organizar.

Talvez a mulher ande mais distraída da relação romântica durante os primeiros meses, mas a frustração pela falta de humor, cumplicidade e erotismo também chegará, indecorosamente. É-nos ainda difícil verbalizar essas contrariedades, sobretudo depois de sermos mãe. Esse será um bom tema para outra conversa, Redmond Berry!

Os nossos progenitores repetiram os moldes do passado: as nossas mães lavaram incontáveis fraldas de pano, no intervalo dos exigentes horários de trabalho, e os nossos pais giraram entre a profissão e a mesa da cozinha… apenas para jantar.

Nós quisemos testar novas fórmulas e cometemos muitos erros, erros novos e inéditos.

Acredito que estamos numa época de viragem de modelo familiar, necessariamente tumultuosa: os homens tornaram-se plenamente presentes na educação dos filhos, mas não tanto na vida doméstica que continua a recair de forma pouco equitativa e asfixiante sobre a mulher.

Quanto a mim, quis ser o que as mulheres que me antecederam não ambicionaram: uma mãe mais do que incrível, absolutamente extraordinária, uma profissional incansável, empreendedora, criadora de conteúdos inspiradores, decoradora boho, no meio do ciclone que é mudar de casa duas vezes e estabilizar-me numa nova cidade. Tudo isto antes da Beatriz fazer 3 anos!

Claro que esta imagem utópica da mãe do novo milénio é esquizofrénica: foram 3 anos de que mal me lembro.

Acabei por me perder e colocar em coma a Ana que eu conhecia.

Acredito que acontece com muitas mulheres esta luta interna entre a realidade e uma versão de si próprias fantasiosamente moderna e que se revela auto e heterodestruidora.

Foi o que me aconteceu, aos 35 anos, quando acrescentei uma filha a uma relação de 10 anos, com o melhor pai que poderia ter encontrado.

Demorei quase uma década a estabilizar-me. Ainda estou em processo, mas muito mais consciente do que me cilindra.

Aprendi a confiar e a delegar nos outros, mesmo sabendo que, muitas vezes, eu faço de forma diferente e, provavelmente, melhor. Também me ajudou morder a língua quando estava para sair uma crítica acerca da fralda mal colocada ou do pijama cheio de nódoas que saiu, alegremente, à rua.

Há, no entanto, casos graves de falta de comunicação e de atenção em que cada amante se fecha e acumula mágoas que minam a concha comum até não sobrar nada.

E há o que, do meu ponto de vista, não tem solução: a total desilusão relativamente ao companheiro que não corresponde ao pai que nós queremos para o nosso filho. Julgo que essa é mesmo a dor maior e o afastamento, neste caso, é irreversível.

Rainer Maria Rilke em Cartas a um Jovem Poeta confidencia-nos:

“As exigências que o difícil trabalho do amor coloca ao nosso desenvolvimento são maiores do que aquilo que é natural, e nós, principiantes, não estamos à sua altura.”


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Persistências e Afastamentos

Redmond Barry é meu amigo, tem 40 anos, é bonito, culto e inteligente.

Tem tudo para se sentir absolutamente afortunado, mas é possível ser lúcido e feliz?

Fernando Pessoa já há muito deu resposta a essa questão!

Portanto, resta-nos reflectir.

Chegou o momento de dar espaço à perspectiva masculina, neste blog.

O que tens a dizer das tão assombrosas/espinhosas relações românticas?

Persistências e Afastamentos nas Relações de Longo Prazo

No final da década de 1960, José Cutileiro apresentava a sua tese de Doutoramento na Universidade de Oxford, posteriormente editada no final da década seguinte com o título Ricos e Pobres no Alentejo. Tratou-se de um estudo de antropologia social sobre a sociedade rural portuguesa do Sul com base, sobretudo, no trabalho de campo que o autor realizou em Monsaraz nos anos de 1965 a 1967. Ao analisar a vida conjugal, Cutileiro identificou o afastamento do casal à medida que “(…) os filhos monopolizam os cuidados e carinhos maternos a tal ponto que, ao cabo de alguns anos, quase não haverá espaço para [o marido] no coração da mulher”. Esta observação, todavia, não constituiu qualquer novidade, pois escrevendo igualmente sobre os costumes alentejanos, mas fazendo-o mais de 6 décadas antes, José da Silva Picão, lavrador da região de Elvas, notou precisamente o mesmo comportamento que acabou por imortalizar no clássico Através dos Campos.

               É assaz curioso verificar que os mais de 60 anos que separam os dois textos, no já aceleradíssimo século XX, não parecem ter feito qualquer diferença, pois tanto o cientista social recentemente falecido, como o aclamado autodidata que nunca passara da instrução primária, fizeram questão em registar o afastamento emocional entre marido e mulher após o nascimento dos respetivos filhos. Entre Picão e Cutileiro vai, muito mais do que a distância física entre Santa Eulália e Monsaraz, um oceano de diferença tecnológica entre a junta de bois e o trator; o comboio e o avião a jato; a oralidade dos contos tradicionais e a série Bonanza que podia ser televisionada nas casas mais abastadas ou no aparelho da Casa do Povo. No entanto, na intimidade tudo parece tremendamente igual.

“Separação” – 1896 – Edvard Munch

               E agora, cujo arco temporal que nos separa de Cutileiro é sensivelmente o mesmo que entre os dois autores atrás mencionados, estarão as coisas neste aspeto diferentes? Os ecos que me chegam parecem-me indicar que não. À classe masculina, nos relacionamentos heterossexuais, cabem as mesmas queixas efetuadas observadas há quase cento e vinte anos pelo lavrador de Elvas. Não obstante a falta de cientificidade das observações que registo – não serão mais do que uma vintena no funil que é o meu meio social –, surge-me a dúvida se tal é devido a questão biológica, a uma atitude social que teima em persistir ou, na opção aparentemente mais sensata, a um pouco de ambos. Quem perde são os maridos, as mulheres e as relações de longo prazo que parecem estar condenadas ao insucesso de uma separação ou a um perpétuo comodismo esmagado pelos compromissos entretanto assumidos pelo casal. Talvez, na realidade, as relações de longo prazo, muitas vezes materializadas no casamento, sejam uma tremenda fraude e não correspondam a mais do que uma estratégia económico-social adaptada às frágeis economias pré-industriais, mas totalmente desadaptadas à realidade pós-industrial, explicando-se assim a projeção que aponta para mais de 90 divórcios por cada 100 casamentos no ano de 2020 em Portugal.

Polémico ou unânime?

You Rock, Redmond Barry!!