A banalidade, a mediocridade e a insensibilidade propagam-se nas redes e nos órgãos de comunicação social.
Procura-se o rídiculo e o caricato das massas e o socialmente expectável das elites.
Talvez seja por isso que os comentadores dos canais televisivos estão ao nível dos programas de Domingo à tarde; tudo é coerente e condicente: são ex e actuais políticos, contabilistas e, na melhor das hipóteses, jornalistas.
Indigna-me o desinteresse que os editores dos canais revelam pelos filósofos, sociólogos, psicólogos, professores, historiadores, escritores, artistas, actores, … Os primeiros poderiam ajudar-nos a compreender e a salvar o mundo ou, pelo menos, a nossa alma; os últimos restituir-nos-iam a esperança, com um relato mais humano e poético do que nos rodeia.
Sempre que ouço um escritor, fico mais desperta e consigo distinguir a beleza das palavras e do pensamento.
Um povo desesperançado é desistente e alheado; a apatia é o nosso maior flagelo. Tudo nos é apresentado como muito maior do que nós, tão grande que nos paralisa e esmaga.
Lídia Jorge foi entrevistada por Bernardo Mendonça e, para além de falar do seu novo livro Misericórdia, comentou o mundo.
“Os escritores estão debaixo da mesa a ver que migalhas caem e quem vive delas.
É preciso estar com quem vive de migalhas.”
A entrevista é longa, mas tão lúcida que senti necessidade de reouvi-la.
Tive uma semana bem acompanhada por estas duas pessoas que salientam a nossa humanidade, ultrapassando a nossa sobrevalorizada animalidade.
Lídia Jorge refere a minha triste constatação inicial: “faltam-nos vozes combativas, formadas, éticas e não populistas”.
Os populismos propagam-se quando se acirram pobres contra pobres,
ou quando se aponta o dedo a quem tem fome (os que roubam a lata de atum),
ou quando se afasta do país quem nada tem (refugiados) e se acarinham corruptos (que são elevados a comentadores políticos ou presidentes).
Os populismos multiplicam-se quando não ficamos chocados e revoltados com quem não nos devolve o que nos deve (TAP), com os lucros que disparam nas empresas do retalho e petrolíferas.
Os populismos proliferam quando não há qualquer noção de responsabilidade social por parte de quem concretiza esquemas obscenos à custa da fome alheia.
Posto isto, tal como Sophia de Mello Breyner, em qualquer lugar do mundo, se os meus filhos passassem fome eu roubaria para eles.
“Há no mundo os grandes roubos. Eles estão aí. E esses não são tratados como ladrões. E a pessoa que rouba uma lata de atum é um ladrão. Temos de olhar para isto com outros olhos e não deixar que a sociedade atinja uma situação de penúria imensa.”
15 de Novembro de 2022 às 11:39
Questões muito pertinentes que merecem uma reflexão. Vou ouvir. Obrigada
15 de Novembro de 2022 às 22:53
É uma escritora muito lúcida. Senti-me mais rica e mais humana!
16 de Novembro de 2022 às 12:03
Na semana passada, assistia um noticiário e chamaram uma especialista para abordar determinado assunto. Curriculum impressionante e visivelmente conhecedora do área. Respondeu perguntas e apontou caminhos. Na internet sofreu ataques. Foi chamada de comunista (está na moda por aqui) e de destruidora de famílias.
Acredite, no Brasil atual, saber não e bem visto pelas pessoas que preferem os populistas e seus argumentos rasos, frases prontas e fáceis de serem repetidas. Mas o argumento e velho, os fascistas falavam com os ignorantes e apelavam para o emocional e, como sabemos, funcionou lá e está a funcionar cá.
Restam as migalhas.
Que seja
18 de Novembro de 2022 às 20:47
Muito bem analisado!
Politizar qualquer opinião é tendência que se generalizou por aqui… e manter a argumentação rasa, também!
Fiquemos com os escritores, sim!
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