Cada Inverno que passa custa-me mais do que o anterior.
A passagem do tempo não traz só sabedoria…
O frio e a escuridão, aliados a um estado de espírito tão pesado quanto os casacos em que me afundo, tolhem-me a vontade e o pensamento.
O Verão salva-me e renasço.
No Verão, é tudo fácil e leve.
Para seguir com esta determinação, só me faltam as calças de linho.
Várias calças de linho.
Ou sem ser de linho, mas em versão extra large.
Este outfit já testei: a minha missão nestas férias é recolher coletes junto dos homens da família que já não os usam.
Esta sobriedade de cores precisa de soltar-se com uns estampados de peças de estações passadas, conjugadas com uma cor que está ausente do meu armário: o vermelho.
Preciso de uma carteira vermelha ou amarela na minha vida, para me alinhar com o sol.
Uma cor para animar os básicos de onde não quero sair.
Continuo na minha difícil demanda de diminuir o consumo desenfreado e reabilitar peças dos anos anteriores, através de acessórios.
Uma túnica de linho e um blazer de linho talvez se justifiquem: são básicos, certo?
A necessidade do vestido branco já dura há anos: aquele vestido que não parece de praia nem de dormir.
E esta sou eu daqui a 10 anos, se conseguir manter o peso, mas essa é outra conversa…
Como em todos os períodos de transição do padrão social, há hesitações, receios, radicalismos e conflitos. Carecemos, portanto, de uma dose extra de humildade e temperança.
Sem o entendimento de que as feridas são profundas, não conseguiremos evoluir; sem a aceitação de que não somos perfeitos, não conseguiremos prosseguir.
As feridas foram provocadas por séculos de discriminações diversas.
Na verdade, a balança pendeu para um dos lados ininterruptamente: foram tempos violentos e cruéis para as mulheres e para as minorias.
Metade da população oprimiu a outra, durante os últimos séculos: basta consultar os direitos das mulheres de há 60 anos e percebemos que todos os preconceitos foram legislados e acolhidas pelas famílias que se queriam sossegadas e convencionais.
Nas últimas décadas, no Ocidente, as discriminações passaram a ser ilegais, mas não se alteram mentalidades por decreto.
São números oficiais de Portugal, mas sabemos que, enquanto humanidade, temos ainda uma longa jornada.
A discriminação com base no sexo, na idade, na etnia, na religião, na orientação sexual, na deficiência e na pobreza continua a existir. Por esse motivo, a minha cidadania é atenta e ativa.
No entanto, pelas cicatrizes históricas, pela condição ainda vulnerável da mulher, pela mentalidade retorcida e medieval que ainda vigora em muitas cabeças, o meu feminismo é combativo, orgulhoso e é interseccional, uma vez que me preocupo com todas as mulheres que não são respeitadas ou tratadas com dignidade.
Os números oficiais são evidentes, mas há situações vergonhosas e escondidas e há situações dúbias.
Existem, também, oportunismos: a desonestidade não tem género, nem idade, etnia ou religião.
Mas não é por causa da exceção ou de falsos testemunhos que a regra se apaga. Não é por haver calúnias que deixa de ser essencial a denúncia.
Entretanto, à nossa volta, os ânimos exaltam-se a partir de qualquer rastilho.
Vivemos atritos quase diários: a balança pende radicalmente para qualquer um dos pratos da balança e os fundamentalismos inflamam as redes sociais a propósito de tudo e de nada. Acredito que tal durará enquanto não atingirmos o equilíbrio desejado.
Vivemos este estranho período de sensibilidades expostas, mas talvez esta seja uma excelente oportunidade para pensarmos antes de falarmos; talvez estejamos a aprender a viver em conjunto de forma mais civilizada e, para isso, tenhamos de reaprender a falar e a agir nesta nova configuração.
É difícil? Andamos mais desconfortáveis? Somos menos espontâneos?
Talvez, mas é o preço da evolução.
Se não queremos o mundo fossilizado dos nossos avós, temos de questionar frases feitas, corrigirmo-nos e reaprender, por nós próprios, as grandes certezas, até chegarmos a um novo equilíbrio das balanças.
O meu feminismo não é um equivalente do machismo, porque não pretende atacar o sexo masculino; pretende a plena igualdade entre humanos dos vários géneros.
O meu feminismo sabe de onde vem e é plenamente grato a todas as feministas que o antecederam.
O meu feminismo quer que sejamos mais corretos e generosos e que não exploremos a fraqueza do outro até sangrar.
O meu feminismo acolhe o conceito de sororidade, porque preza muitíssimo a amizade entre as mulheres, não menosprezando, todavia, com essa afeição, a presença masculina na minha vida.
O meu feminismo inclui todos os homens, aliados na luta, que têm também a responsabilidade de construir um mundo mais justo e pacífico.
O meu feminismo é abrangente ou interseccional, porque não admite quaisquer discriminações e percebe que há percursos com mais obstáculos do que o meu.
O meu feminismo é pacífico mas firme, porque não quer violência, mas não permite que o calem.
Depois de ter sido mãe, ganhei consciência da importância de zelarmos pelos nossos vizinhos e dinamizarmos um espírito comunitário, no local onde vivemos.
No entanto, a zona antiga de Estremoz, onde vivo, não escapa à gentrificação.
Os edifícios históricos foram reabilitados e temos agora um bistrô, uma gelataria artesanal, um hotel com rooftop e um restaurante para a classe alta. Os vizinhos mais velhos morreram ou mudaram-se e, neste momento, temos esta chiqueza na praça, alguns serviços e pouquíssimos vizinhos. Por outro lado, o parque automóvel, embora intermitente, é de fazer inveja… a quem aprecia máquinas.
Apesar da questão da gentrificação ser discutida em Londres há anos, sobretudo com o caso do bairro East End, fiquei com a impressão de que ainda há bairros que escapam a esta descaracterização da paisagem urbana e humana em Londres.
Em East Dulwich, onde fiquei, senti-me num bairro londrino e li, nos roteiros, que o bairro mantém o “villagey feel“.
Vi lojas discretas, restaurantes de bairro e poucos turistas.
A 30 minutos de autocarro do centro de Londres, esta zona foi uma excelente surpresa.
Há anos que recorro ao Airbnb.
Gosto de passar horas a ver fotografias e a ler as críticas.
Este rés do chão independente de uma família londrina encantou-me de imediato.
Bem mais bonito do que nas fotos, mas também mais pequeno, o apartamento fez-me pensar como uma família consegue viver numa casa tão minúscula! É francamente espaçosa para passar uns dias, mas seria um desafio para o dia-a-dia de uma pessoa que está longe de ser minimalista.
Esta é, relativamente a um hotel, a grande vantagem do Airbnb: perceber como vivem os nativos, ouvir as suas sugestões à margem de recomendações turísticas e sentir o seu dia-a-dia.
No fundo, é esta a grande vantagem de partir numa viagem: agarrarmos a incrível oportunidade de ver outras possibilidades de ser pessoa.
Semanalmente, há mercado neste bairro.
Outra grande surpresa de Londres foi a alimentação.
Há duas décadas, tive uma experiência angustiante no Reino Unido.
Temia, agora, pelo meu almoço e, sobretudo, pela minha dose diária de cafeína.
Tudo o que comi, desta vez, foi delicioso, embora absurdamente caro.
Andámos entre o Spinach, a pizzaria Franco Manca e a Boulangerie do bairro.
O café também me saiu excelente: double expresso.
Estas fotografias mais mundanas foram todas tiradas pela Beatriz que já anda com um telemóvel.
E muitos outras que eu não conheci em 5 dias de viagem.
No início deste ano letivo, a Beatriz pretendia conhecer a faceta académica da capital, através de um projeto ousado que a diretora de turma queria implementar na escola. Entretanto, intensificou-se a crise, disparou a inflação e manteve-se a especificidade de vivermos numa região muito desfavorecida do interior alentejano, onde a maior parte das famílias contam os euros e não os sonhos.
Prometi à Beatriz que a viagem iria concretizar-se, ainda que tivéssemos de abdicar de outros projetos familiares.
Secretamente, planeava reencontrar o cenário dos videoclips punks da minha adolescência, lá nos perdidos anos 80, entre DrMartens e cristas rebeldes.
Esta é ainda a luz de Lisboa; não é a toa que é célebre.
A atmosfera a Norte é industrial e dramática.
O Tamisa já não é o “Great Stink” do século XIX, mas não conserva o romantismo de outros rios famosos.
Capital desde o século XI, apesar da destruição quase total no Grande Incêndio do século XVII (e dos bombardeamentos durante a Segunda Guerra Mundial), Londres exala a vitalidade e o cosmopolitismo que sempre a fez ressurgir.
O bulício é inebriante e, simultaneamente, acolhedor.
Toda a diversidade individual tem espaço. Apesar da sobrelotação do centro, senti que a pluralidade cultural é a maior riqueza da cidade.
São muitos os estímulos, sobretudo para quem, como eu, gosta de observar e tem uma enorme curiosidade acerca dos outros.
No meu velhinho Guia American Express, li que Picadilly (a principal artéria de West End) já se chamou Portugal Street.
O Soho aparece descrito nos roteiros como o local das ruas enérgicas e o epicentro da vida diurna e noturna. É magnético.
À noite, os jovens correm pela cidade em grupos alegres. Nas estações, li vários avisos divertidos e ilustrados a avisá-los de que não eram canguros e que era proibido correr nesses locais públicos. Identifico-me muito com este tipo de humor, já desde a Britcom dos serões de sábado do milénio passado, na RTP2.
Nem com o Guia do American Express consegui entender o Metro de Londres, mas fiquei compensada com a rede de autocarros. A aplicação Maps.me indica claramente o local das paragens e o número do autocarro, assim como o tempo que cada um demora a chegar.
O teatro inglês nasceu no século XVI e nota-se esta devoção pela cidade: nas tragédias e nos musicais baseados em todos os sucessos de que nos possamos lembrar.
Não explorámos a versão adulta, mas estivemos presentes na juvenil: Matilda, o momento alto das férias para a Beatriz. Apesar de não ser apreciadora de musicais, também fiquei impressionada com o rigor e profissionalismo de atores/cantores/bailarinos tão pequenos (que nunca recorrem ao playback, ao contrário do que acontece com alguns profissionais de renome).
O Museu de História Natural também foi a escolha da Beatriz.
Percebi que é muito fácil e prático reservar os bilhetes com antecedência. As entradas na maior parte dos museus são gratuitas, mas as filas para o levantamento dos bilhetes é interminável. Com reserva online, mediante uma doação simbólica, a entrada é VIP.
Os bairros menos movimentados da cidade ainda mantêm aquela patine imaginária do filme “Notting Hill”.
O Convent Garden desorientou o meu lado consumista, mas como só visitei este mercado no último dia, já não tinha como me perder.
também não encontrei os punks da minha adolescência: talvez andem a passear os filhos por cidades europeias e tenham rapado a crista, mas foi uma viagem que deu mais mundo à minha filha e…
à mãe da minha filha que fica, por vezes, demasiado fechada numa cidade do interior alentejano.
Para a semana ainda vou rever o meu bairro preferido e a experiência de alojamento.