“Le souvenir est le parfum de l´âme” – (George Sand).


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O mais importante na vida

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Hoje a Beatriz faz três anos e eu ando, desde manhã, a ouvir este poema “Curiosidades Estéticas” de António Botto.

*

O mais importante na vida

É ser-se criador – criar beleza. 

*

Para isso,

É necessário pressenti-la

Aonde os nossos olhos não a virem.

*

Eu creio que sonhar o impossível

É como que ouvir uma voz de alguma coisa

Que pede existência e que nos chama de longe.

*

Sim, o mais importante na vida

É ser-se criador.

E para o impossível

Só devemos caminhar de olhos fechados

Como a fé e como o amor.

*

O milagre da poesia: cria identificações improváveis e aproxima espíritos distantes, no tempo, nas vivências, nos amores.

São vários os indícios que apontam para a homossexualidade de António Botto e, não obstante, esta Mãe  passou o dia com o poema na cabeça e com a filha no coração.

Há três anos descobri a continuação deste verso:

O mais importante na vida…

Fotografia de Melanie Rodrigues.

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Nevoeiro

Há dias em que é difícil focar.

Há dias em que as urgências se sucedem e nos ofuscam.

À noite, salvam-me o Amor e a Poesia.

O resto são “vis enganos”.

Skopje-Macedonia-A-member-of-Portugals-Vortice-Dance-Company-during-the-world-premiere-of-Dracula[1]

Ver claro

Toda a poesia é luminosa, até

a mais obscura.

O leitor é que tem às vezes,

em lugar de sol, nevoeiro dentro de si.

E o nevoeiro nunca deixa ver claro.

Se regressar

outra vez e outra vez

e outra vez

a essas sílabas acesas

ficará cego de tanta claridade.

Abençoado seja se lá chegar.

Eugénio de Andrade, Os Sulcos da Sede

A imagem é da Vortice Dance Company.

Já foram a companhia residente do Centro de Artes e Espectáculos da Figueira da Foz.

Cegueiras várias colocaram fim à parceria.

Cegueiras cheias de razão, como são todas as cegueiras.

Ficámos todos a perder.


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Colhi este poema

No meu pátio, há várias roseiras antigas plantadas pela minha Avó Rosa.

Algumas de que gosto muito, outras cujas cores não me fascinam.

Umas e outras passam parte dos seus dias em copos, frascos e jarras cá em casa.

Reconciliei-me com estas rosas pálidas quando li “Arte Poética com citação de Hölderlin“, de Nuno Júdice.

Afinal, estas rosas encerram um poema!

DSCF1458

O poema lírico nasceu de uma roseira. Não

digo que fosse a rosa de cima, aquela que todos

olham, primeiro que tudo, pensando

em cortá-la para a levarem consigo. É

a rosa nem branca nem vermelha, a rosa pálida,

vestida com a substância da terra:

a que toma a cor dos olhos de quem a fixa, por

acaso, e ela agarra, como se tivesse

mãos abstractas por dentro das suas folhas./

Colhi esse poema. Meti-o dentro de água,

como a rosa, para que flutuasse ao longo de um rio

de versos. O seu corpo, nu como o dessa mulher

que amei num sonho obscuro, bebeu a seiva

dos lagos, os veios subterrâneos das humidades

ancestrais, e abriu-se como o ventre da

própria flor. Levou atrás de si os meus olhos,

num barco tão fundo como a sua própria

morte./
Abracei esse poema. Estendi-o na areia

das margens, tapando a sua nudez com os ramos

de arbustos  fluviais. Arranquei os botões

que nasciam dos seus seios, bebendo a sua cor

verde como os charcos coalhados do outono. Pedi-lhe

que me falasse, como se ele só ainda soubesse

as últimas palavras do amor.
(Metáfora contínua de um único sentimento)

A Fonte da Vida