“Le souvenir est le parfum de l´âme” – (George Sand).


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17 dias

Estamos todos a reaprender a viver.

Tudo indica que ainda vamos ter muito tempo para consolidar as aprendizagens.

Para além do incómodo de não poder sair de casa, eu pessoalmente tenho medo.

Medo de adoecer e de não ser só uma “gripezita” (como diz aquele político lunático), medo de ficar presa a um ventilador (ou de nem haver ventilador), de ficar sozinha num corredor sombrio de hospital e, sobretudo, de afastar-me da minha filha.

Tenho medo pelos meus pais, pela minha avó, pelos meus tios, pelos meus primos, pelo meu irmão, pela minha sobrinha que está na barriga da mãe, pelos meus amigos, pelos meus alunos, pelos meus colegas e pelos meus vizinhos.

São muitos medos que se juntam à panóplia (e paranóia) de cuidados que tenho de ter nas raras vezes que saio de casa.

São tantos medos que por vezes paraliso.

Há quem compre desmesuradamente, há quem se revolte e seja agressivo com os outros, há quem escape para as redes sociais, há quem apenas publique as notícias catastróficas, há quem entre em negação e se coloque em perigo, … Já vimos quase de tudo.

Neste momento, para ser sincera, não conseguiria entrar num supermercado sem um ataque de pânico. Portanto, tenho optado por compras online (embora as entregas demorem), tenho optado por abdicar de alguns luxos e prefiro ir à mercearia da esquina, à padaria do fundo da rua e ao talho.

O pequeno comércio precisa muito de nós e irá precisar ainda mais quando este demónio invisível nos deixar. Espero que estas pequenas mudanças positivas fiquem na minha vida.

Oxalá permaneçam outras mudanças que fui forçada a fazer.

Ainda antes de tudo o que está a acontecer, o meu corpo e a minha mente rejeitaram o ritmo em que vivia e a que me impus… ou que permiti que me impusessem. Tive um quadro de burnout e estou a reaprender a relevar e a enfrentar a minha profissão de outra forma. Ser professora é uma profissão nobre, mas tive de mentalizar-me de que muitos dos problemas e indisponibilidades dos meus alunos têm origem familiar e social e que me ultrapassam. Tive de aprender a deixar partir quem não quer ou não pode seguir-me. Não foi fácil e ainda não concluí o processo.

Foi no contexto desta recuperação individual que surgiu a doença mundial.

Fiquei desorientada e estou agora a gerir outros desafios: o teletrabalho, os trabalhos da Beatriz (e afastá-la o mais possível de telemóveis e computadores), as tarefas domésticas e a minha ansiedade que me deixa, por vezes, instável.

Tenho respirado fundo, bebido muito chá quente de gengibre e limão e exigido momentos de solidão e silêncio.

Tenho-me oferecido momentos de evasão, embora esse seja o desafio que tenho de aperfeiçoar. Há sempre muitas tarefas que eu permito que se sobreponham. Era assim antes do isolamento e continua a ser assim durante o isolamento.

Para além de tentar aprender, com esta terrível experiência, a viver com menos, a reduzir o consumismo e a abrandar o ritmo, estou a tentar reagir e perceber o que posso fazer pela comunidade local.

Como acontece em todas as cidades, a zona antiga de Estremoz está abandonada e restam os mais velhos, as casas abandonadas, pequenos serviços que fecharam… e nós. Ainda não foi preciso intervir, mas esse será o momento seguinte desta crise individual e coletiva: ajudarmo-nos.

Para chegar a essa disponibilidade é preciso serenar, reestruturar, conseguir agradecer o dia presente e partilhar o que temos.

Entretanto, para chegar a esse ponto, uma vez por semana, eu e a Beatriz levamos o isolamento para a Serra d´Ossa. Tem sido a nossa oportunidade de apanhar sol e vento, estabilizar, e carregar baterias.

E eu penso na vida absurda que tenho levado.

Foi preciso vir uma pandemia para eu ter tempo para ver a Primavera surgir no Alentejo. Há mais de dois anos, seguramente, que não passeava por este verde.

A Beatriz tem andado radiante e não perde a ternura, nem o ânimo, nem a alegria e esse facto acalenta-me o coração.

Quero acreditar que, juntos, vamos conseguir enfrentar o que ainda virá!

A caixa de Pandora soltou todos os males, mas manteve sempre bem guardada a Esperança! Este mito contém sabedoria milenar e não podemos esquecê-lo.


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O Poema Ensina a Cair

“A poesia é a distância mais curta entre duas pessoas.” – Laurence Ferlinghetti

Nestes estranhos tempos em que vivemos, quando somos facilmente contaminados pelo vírus do medo, do pânico, da desconfiança, da arrogância, das teorias conspiratórias, das ausências, o que ainda vai fazendo algum sentido na minha vida é o Amor e a Poesia.

Como diz o poeta Ferlinghetti, a Poesia e o Amor (acrescento eu) tornam-nos mais próximos, sobretudo agora que as distâncias são tão concretas e físicas e nós estamos confinados ao difícil interior das nossas paredes.

Interior

Por trás dos muros da nossa casa

Estamos tão juntos que nos tocamos:

O vento é brisa e a brisa é asa.

Por trás dos muros da nossa casa

Todos os frutos ficam nos ramos.

Vivamos, pois, dentro de nós

Deixando aos outros o gesto e a voz.

Este poema de António Manuel Couto Viana foi a escolha de Carlos Vaz Marques para integrar a saudável e salvífica iniciativa do “Poema Ensina a Cair”:

Tenho andado com estes versos a ecoar na cabeça:

“Por trás dos muros da nossa casa

Estamos tão juntos que nos tocamos:

O vento é brisa e a brisa é asa.”

Numa altura em que nos gritam palavras de ordem e em que já domino mais vocabulário epidemiológico do que gostaria, é bom encher os olhos e os ouvidos com os poetas.

Fechar os olhos e sentir o vento que corre no quintal é hoje o meu sublime prazer: “o vento é brisa/ e a brisa é asa”.

São estes raros momentos (e os braços da Beatriz) que ainda me permitem sonhar com asas, tendo em conta as gaiolas onde estamos todos fechados.

Tenho também aprendido muito com o podcast de Raquel Marinho que me transmite as ferramentas possíveis para combater esta que é a verdadeira crise.

Durante tantos anos, enganaram-nos indecorosamente: só agora estamos em crise, pois só agora estão ameaçados os únicos bens que nos interessam verdadeiramente proteger: a nossa saúde e a nossa humanidade.

Acredito que apenas o conhecimento e a bondade poderão ser as armas, as únicas estritamente humanas, que poderão lutar contra esse tal bicho-vírus.

Nunca fizeram tanto sentido os versos do poema de Luiza Neto Jorge:

“O poema ensina a cair

sobre os vários solos […] “

O dia-a-dia da nossa quarentena está aqui.


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The Slow Traveler

O Blog The Slow Traveler da fotógrafa Carolyn foi uma descoberta muito recente e providencial.

Com tempo disponível e com a nossa humanidade em risco (tanto ou mais do que a nossa saúde), há que resgatar o melhor de nós: a capacidade de superarmos o nosso natural (mas primitivo) umbiguismo e de nos abstrairmos da dureza quotidiana através da arte.

Uma das artes que tenho descurado é a fotografia.

O Instagram, o meu queridinho social, invade-me de tal maneira que sinto-me pequena, desajeitada e redundante, a nível fotográfico.

Encaro o blog da Carolyn como um gatilho para eu sair desta letargia. Para além da motivação decorrente do seu discurso positivo e entusiástico, cheio de ideias, a Carolyn acrescenta-lhe dois dos meus ingredientes de vida predilectos: os livros e as viagens.

A autora partilha também muitas dicas que não envolvem tecnologia para tirar boas fotos:

1- Leva a máquina sempre contigo: felizmente, hoje em dia, com telemóveis com óptimas câmaras fotográficas, todos temos a máquina fotográfica, literalmente, sempre à mão.

2- Tira fotografias todos os dias: predispõe-te a melhorar e pratica diariamente. A minha primeira falha: quando andamos com o botão da rotina ligado, não vemos nada para além de tarefas e metas, logo nada nos parece suficientemente interessante para ser registado. Ora esse pressuposto não é verdadeiro: as fotografias que mais me atraem reflectem, muitas vezes, situações do dia-a-dia.

3- Aprecia as fotografias dos outros: fixa os detalhes que te impressionam. Este trabalho de casa faço com muito prazer!

4- Abranda o teu ritmo e observa: sai para a rua, passeia, espera pela luz favorável; são esses os pormenores que distinguem uma fotografia boa de uma fotografia perfeita. Não é agora a altura ideal para passear na cidade, mas os passeios solitários pela serra e mesmo pelo quintal escondem pormenores únicos.

5- Estuda as tuas imagens: sê o teu maior crítico, sê minucioso e honesto.

Preciso de seguir estes conselhos para voltar a tirar fotografias, mas também preciso de seguir estes conselhos para olhar (e ver) em volta e, por conseguinte, viver melhor.

Votos de uma quarentena tranquila e muita perseverança para enfrentarmos o que traiçoeiramente se aproxima de nós: vírus, medo, egoísmo e fraquezas humanas!


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Oliveiras

“Os Portugueses lembram aquelas velhas oliveiras por que passamos no país, vergadas pelas forças maiores, marcadas e sofredoras, mas sobrevivendo robustamente com uma invulgar beleza.”

Os Portugueses, de Barry Hatton

Ouvi esta magnífica descrição acerca de nós, portugueses, no programa mais corajoso da televisão portuguesa: Original é a Cultura.

Um dos episódios abordou a questão da identidade portuguesa e colocou em cima da mesa perguntas como:

será que existem esses traços distintivos que nos diferenciam radicalmente das outras nacionalidades ou tudo não passará de uma obsessão narcisística centrada numa idealizada “portugalidade”?

E que insegurança (ou vaidade) é esta que nos leva a querer saber o que dizem de nós, que nos leva a precisar dessa validação exterior?

Como somos vistos no estrangeiro foi, aliás, outro dos temas do programa.

A hora da transmissão (e da retransmissão) é inexplicável (e nada corajosa), mas uma tertúlia que junta Carlos Fiolhais, Dulce Maria Cardoso e Rui Vieira Nery, com moderação de Cristina Ovídio, vale bem a pena.

Claro que de madrugada eu, pessoalmente, tenho o estranho hábito de dormir, mas a Internet tem a vantagem de nos permitir fazer o nosso próprio horário.

Estes tertulianos de luxo discutem ainda temas como o envelhecimento, a felicidade, a inteligência artificial, a vida na cidade, a leitura, …

Cada convidado apresenta a sua perspectiva e, uma vez que Carlos Fiolhais é físico, Rui Vieira Nery é musicólogo e Dulce Maria Cardoso é escritora, a troca de ideias é muito inspiradora.

Quanto a mim, pendo a concordar mais com Rui Vieira Nery e Dulce Maria Cardoso, embora Carlos Fiolhais me apresente um ponto de vista que, à partida, eu não ponderaria.

Por outro lado, ando muito amuada com Dulce Maria Cardoso, porque estou à espera, desde o ano passado, da parte 2 de Eliete e ainda nada.


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Álbum de Famílias

Crescer numa cidade como Estremoz é um privilégio.

A cidade é pequena e tranquila; a escola da Beatriz fica a 5 minutos de casa; não há trânsito congestionado; o ambiente é familiar em quase todos os sítios que frequentamos e o ritmo de vida é calmo.

O que me vai preocupando é a falta de diversidade, a todos os níveis. Receio que a Beatriz fique com padrões rígidos que lhe limitem os horizontes.

Este livro aborda o conceito de família ou, melhor, de famílias.

A protagonista, justamente chamada de Esperança, tenta descobrir a que corresponde este conceito para cada colega da sua escola e descobre que as respostas são muito diversas.

Há famílias cujos pais não vivem juntos.

Há famílias constituídas por um adulto e uma criança.

Há famílias com duas mães ou dois pais.

Há famílias que fugiram do seu país e são refugiadas.

O álbum prossegue e motiva muitas reflexões acerca dos vários modelos de família. Até que se chega à fórmula final, a única fórmula válida de família: EU+TU NÓS

Livro recomendado por:
– Associação Portuguesa para a Igualdade Parental e Direitos dos Filhos
– Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens
– Grupo Famílias Arco-Íris da Associação ILGA Portugal
– SFRAA/Quinta de S. Miguel – Casa de Acolhimento Temporário