Tomei, apenas, consciência de que tenho muita roupa e, portanto, posso tratar de fazer 1000 conjugações que andarei sempre com um look novo até ao ano 2100.
Depois de dois invernos em casa e de alguns desvarios nas compras online, para compensar insensatamente a frustração do isolamento, chegou a hora de enfrentar o Outono e de procurar algumas inspirações.
Gosto sempre de procurar modelitos de street style, o que faz ainda mais sentido agora, uma vez que saímos da redoma.
Prometeu foi um importante “benfeitor da humanidade”:
roubou algumas sementes de fogo à roda do Sol e levou-as para Terra, escondidas num caule de férula.
Zeus puniu-nos com uma terrível criatura forjada para o efeito, Pandora.
Prometeu não ficou muito melhor: foi preso com grilhões de aço no cimo do Cáucaso e uma águia devorou-lhe o fígado que se ia renovando incessantemente.
O mito podia terminar aqui, mas não é verdade.
Héracles passou pelo Cáucaso e trepassou com uma flecha a águia de Prometeu.
Nós ficámos com a Pandora e a maldita caixa, mas já não nos tiraram o fogo.
É desse fogo que nascem as metáforas.
Como esta da Cláudia R. Sampaio.
Resta-nos honrar Prometeu e os Poetas:
labaredemo-nos, então!
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Uma vez quiseram-me louca, a arder e eu ardi com a discrição de um fogo posto porque a cura vai na mesma direcção que a nossa febre
Ateei-me como um relâmpago inesperado à luz do dia Eu parecia uma basílica em chamas de altar por estrear, a arder sozinha
Sempre me recusei a arder como os outros
Ardam-se mais à esquerda ou mais à direita mais a vento de sul ou de norte, mas labaredem-se, sejam fogos que ardem!
Porque pior que a desdita loucura é toda a gente andar em brasa mas ninguém chegar a incêndio
E no fim são todos cinza
(O mito de Prometeu foi retirado do fascinante Dicionário da Mitologia, de Pierre Grimal)
Não evoluiremos, enquanto não percebermos que a saúde, a justiça, a arte e o conhecimento são os verdadeiros pilares de um povo. Já que não brilhamos com euros ou dólares nos bolsos, poderíamos apostar na luminescência espiritual…
Vivemos na vertigem da rapidez e da mudança; só interessa o que flui ou telinta.
A comunicação seguiu a tendência e privilegia o emoji e a imagem.
A palavra, que nos distingue enquanto espécie, exige tempo e concentração e não temos nem um, nem outra.
Para contrariar esta perversidade, é primordial ensinar a fruir o tempo livre, assim como é essencial treinar a capacidade de concentração e educar para a empatia e para a gestão das emoções.
Ser professor é uma nobre profissão: é ao professor que compete a reponsabilidade de recolocar o foco da sociedade na palavra. Os professores são, por princípio, os guardiões da palavra (falada e escrita).
O início dos séculos e dos milénios são sempre conturbados e, no início do nosso, criou-se alguma confusão em relação à função do professor.
Criou-se o jargão retórico de que o professor do século XXI devia ser jovial, sintético e multimédia.
O discurso e o diálogo ficavam, definitivamente, no século XX.
Felizmente, acima das modas barrocas, está a nossa ancestralidade cultural e a palavra está connosco desde o início; é a ela que instintivamente recorremos quando tudo é incerto e rui.
Está provado que, perante a avalanche tecnológica, a solidão aumenta proporcionalmente, assim como a depressão. Não aprendemos a escutar, mas temos uma necessidade premente de sermos ouvidos.
Educar para a escuta ativa, para a reflexão e para a palavra: são estes os verdadeiros lemas desta professora do século XXI. A multimédia é apenas uma excelente ferramenta para chegar a este fim.
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Eugénio de Andrade fala nos guardiões de sementes:
“Que fizeste das palavras? Que contas darás dessas vogais de um azul tão apaziguado? E das consoantes, que lhes dirás, ardendo entre o fulgor das laranjas e do sol dos cavalos? Que lhes dirás, quando te perguntarem pelas minúsculas sementes que te confiaram?”