“Le souvenir est le parfum de l´âme” – (George Sand).


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Correr por gosto…

Provérbios e axiomas.

Revelam as tradições de um povo… fazem parte do nosso património oral.

São interessantes do ponto de vista histórico, linguístico e sociológico, mas não gosto de usá-los.

Para mim, justificar um comportamento com um provérbio é, muitas vezes, sinal de preguiça mental e de conservadorismo.

E, mais importante,  geralmente nem concordo com eles.

 

“Quem não se sente não é filho de boa gente” justifica reacções lúcidas, mas também excessivas, mesmo quando se deve ser superior ao agressor.

“Quem os fez que os ature”: é tão feio que nem me merece comentários.

“Entre marido e mulher ninguém mete a colher”; outra pérola que justificou, durante séculos, situações arrepiantes.

“Quem corre por gosto, não se cansa”: revela uma falta de solidariedade enorme.

E é uma grande mentira: cansa e muito.

 

São as obrigações que me têm esgotado, mas também os prazeres.

 

Compromisso: para cumprir a partir de Agora.

 

1- Abrandar depois de jantar e dormir: respeitar a hora da Cinderela e sair de cena antes da meia-noite.

2- Reduzir a publicação de posts no blog para dois semanais e responder aos comentários apenas se tiver tempo: 1000 desculpas a todos os que tão generosamente comentam o que eu escrevo!

3- Ir ao ginásio durante a aula de ballet da Beatriz.

4- Beber apenas um café por dia, de preferência de manhã, para não provocar o sono entrecortado (adormecer bem, mas acordar de madrugada com uma insónia).

5- Fazer o que está ao meu alcance e não estar sempre a tentar ultrapassar os cem objectivos que estabeleço para o dia.

6- Parar, antes de tentar anestesiar a velocidade/o vazio/a insatisfação de não ter cumprido o louco plano do dia com açúcar.

 

Último: Pensar bem de que cor quero pintar a minha tela.

Neste momento, a velocidade é tanta que só se vê uma confusão de cores.

A vida é uma tela 2

Esta fotografia está a tapar uma  montra de uma loja de um Centro Comercial abandonado na Figueira da Foz.

Sempre que por lá passo acho que quem a fez tem um dom: conseguiu colocar beleza num local desolado e assustador e apazigua o olhar de quem passa.

 

 


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Estações

A Lunna tinha avisado: o serviço de correio entre os nossos dois continentes é terrível.

Eu pensei que era uma força de expressão…

Até que ganhei o passatempo do projecto Scenarium cujo prémio era um livro da Lunna!

Fiquei à espera.

Duas semanas, três… um mês.

Nada.

Foram precisas seis semanas!

Até chegarem salvos.

encomenda posta Lunna Guedes

Imaginei a viagem tempestuosa pelo Atlântico… até chegarem a este porto alentejano.

2 livros de Lunna Guedes

Valeu a pena a espera:

“O tempo não é um objeto traiçoeiro como muitos gostam de

dizer por aí. O tempo é um maestro e seus acordes são

perfeitos – mesmo sendo circulares e repetitivos.

Eu me lembro que na infância o som do velho carrilhão na

sala da casa do nono me assustava porque quando ele

ressoava pelos cantos, a casa inteira “cantava” com ele. E

nos dias de chuva, eu ficava em frente a ele, olhando-o

atentamente. Acompanhava seus ponteiros – completamente

hipnotizada. […]

E hoje o único tempo que me agrada é o tempo que encontro

nas poesias desses senhores-homens-mulheres-poetas que

leio. É um tempo fatiado feito pão de forma e eu recheio com

o que melhor me apetece.”

in Reticências, Lunna Guedes

 

Obrigada pelas palavras!

E pelas dedicatórias!

Bacio!

 


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A Verdade

A única Verdade:

O tamanho do nosso coração é proporcional ao estado de saúde dos nossos filhos.

coração de mãe

A Beatriz, hoje, comeu:

Uma bolacha Maria;

meia batata cozida e uma tirinha de peixe.

Depois de 8 dias sem conseguir manter nada no estomâgo…

Um estomâgo de coelhito, como diz a minha Tia Alice.

 

E eu fiquei com o meu coração brilhante e vigoroso.

O mesmo coração que passou dias seco e mais pequeno que uma cabeça de alfinete,

irradiou, enquanto víamos abraçadas “O Castelo Animado”, de Miyazaki, assim, em Português do Brasil.

 

Esta imagem é do livro mais verdadeiro que eu conheço.


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Formiga

Quando é preciso reflectir, não há nada melhor do que entreter as mãos e libertar o espírito.

Está na altura de preparar o Inverno.

Os orégãos foram colhidos no monte e oferecidos pela Dona Tomásia.

oregãos em ramo

Depois de secos, retiro-lhes os caules e arrumo-os em frascos para facilitar a utilização.

oregãos no frasco

Este ano, estreei-me na manjerona: vive num vaso junto à porta do quintal: à sombra, mas aparentemente feliz.

Uso-a seca ou fresca, como na fotografia.

manjerona em ramo

Li, no livro Erva uma vez…, que na época medieval, os irmãos enclausurados nos mosteiros consumiam esta planta, que em certas doses teria propriedades anafrosidíacas, o que evitaria pensamentos carnais.

Não fazia ideia… e nem confirmo, nem desminto.

manjerona no frasco

Uso-a para polvilhar lasanha, queijo fresco, courgette e beringela grelhadas,… com muita frequência.

A segurelha também entrou este ano na minha vida.

segurelha em ramo

Andou todo o Verão a perfumar as jarras de casa, porque era a única verdura que eu conseguia encontrar nos canteiros.

Agora está seca e perfuma peixe assado no forno.

A Patrícia Vilela, uma das autoras do livro de referência cá de casa, ensinou-me:

“Outro aspecto a realçar nesta planta é o casamento a roçar o perfeito que estabelece no prato com leguminosas, incluindo o bónus de reduzir ou eliminar as probabilidades de flatulência, em caso de consumo excessivo dos traiçoeiros grãos.”

Para além disso, é extremamente tranquilizador sentir estes aromas nas mãos depois de manusear estas plantas.

 

 


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Nível II

Habituei-me a fazer balanços em Dezembro e Agosto.

Dezembro, por causa do calendário.

Agosto, porque finalmente tenho tempo para reflectir… e porque o Mar ajuda ao reencontro.

Nos últimos oito meses, engordei 6 quilos.

Não gostei.

lata farinha maisena

Há sempre muitas desculpas:

-Foram as mudanças.

-No Alentejo, é impossível não provar muitos petiscos.

-Já foste mãe.

-Estás com outra idade.

Todos estes motivos contribuíram, mas a verdadeira razão estava em mim.

Obriguei-me a um ritmo que não é razoável.

Deixei de ter tempo para os meus amigos e deixei de ter tempo para quem dele mais precisa: Eu.

Como abafava a frustração de estar a falhar como minha melhor amiga?

Compensava-me, permitindo-me desfrutar de um prazer primordial e imediato: a comida.

 

Tive de parar para chegar a esta conclusão.

Tenho de abrandar para conseguir controlar um gesto da mais pura sobrevivência física: alimentar-me.

E para investir em muitos gestos de sobrevivência metafísica.

 

Não foi fácil escrever este post; mas nem sempre a vida é “leve”:

precisei de me confrontar com o que estava a acontecer e o blog é minha testemunha.

 

(Esta lata Farinha Maisena guardava os chocolates na minha casinha pequena: mudou-se para a casa grande;

qualquer leitura subliminar não é pura coincidência.)


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o apocalipse dos trabalhadores

 

“de noite, a maria da graça sonhava que às portas

do céu se vendiam souvenirs da vida na terra. gente de

palavras garridas que chamava a sua atenção com os bra-

ços no ar, como quem tinha peixe fresco, juntava-se em

redor da sua alma e despachava por bagatelas as coisas mais

passíveis de suprir uma grande falta aos que morriam. […]

por uma compreensível angústia, ansiedade ou frenesi de ali estar tão

pela primeira vez, mantinha a esperança de que talvez são

pedro a esclarecesse e, com um pé lá dentro e outro ainda

fora, lhe fosse possível comprar o requiem de Mozart, a

reprodução dos frescos de goya ou a edição francesa das

raparigas em flor.”

 

Livros vhm afonso cruz mario de carvalho

 

Começa desta forma insólita e surpreendente o livro de valter hugo mãe.

Com o sonho recorrente de Maria da Graça no Purgatório.

Maria da Graça e Quitéria são mulheres-a-dias e eu passei as primeiras páginas num desconforto e num preconceito superior àquele que gostaria de admitir.

Os diálogos que estas personagens travam, enquanto estendem a roupa, apesar de muito humorados, pareceram-me desinteressantes.

Foi preciso o senhor Ferreira (o patrão de Maria da Graça) morrer.

Apareceram-me, então, estas mulheres e as suas dores.

Surgiram-me lições de Humildade e de Humanidade.

Com muito humor, mas com crueza, senti a solidão, a dificuldade da Vida,

a luta do dia-a-dia de todos Nós que partilhamos a maravilha e a tortura de sermos Humanos.

 

E vi o que nos pode salvar:

o Amor, a Arte e as Ideias.

 

“[…] abraçou-se àquela mulher numa convulsão tão grata que lhe sentiu

amor como apenas aos pais sentira. um outro amor, mas

igualmente absoluto e votado à eternidade. dizia-lhe,

obrigado, quitéria, muito obrigado. e ela desfazia-se em

coração e não imaginara nunca que aquele gesto poderia

ser o mais mudador de toda a sua vida. aceitou aquele

abraço pelo lado mais interior do amor, rasgando com

o passado a costumeira ferocidade. naquele instante,

a  quitéria acreditou que descobrira o mais inatingível da

existência. agarrou-se ao andriy e agradeceu-lhe como

pôde pela oportunidade única de se humanizar daquela

maneira e percebeu a inteligência mais secreta de todas.

esta é a inteligência mais secreta de todas, o amor.”

 

Já gostava de ouvir vhm; sinto-me tocada pelas suas palavras – precisas, nuas, verdadeiras.

Senti o mesmo ao ler este livro.

 

“[…] quando bebeu o primeiro gole de vinho julgou

que a  vida, se fosse justa, poderia ser feita daquilo e de

mais nada. ao inventar as coisas, quem inventara, deveria

ter-se ficado por aquilo, um vinho, uma amizade sincera,

o calor magnífico do fim da tarde, a paisagem mais bela

de todas. era tão fácil inventar só aquilo e com aquilo

garantir com segurança que as pessoas do mundo inteiro

seriam felizes.”

 

blog mimithorisson

A última imagem é do blog de Mimi Thorisson.


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Equilibrar

Equilibrar:

Prato 1: Eu – Mãe

Prato 2: Eu – Ana

Prato 3: Eu – Namorada

Prato 4: Eu – Filha

Prato 5: Eu – Amiga

Prato 6: Eu – Família

Prato 7: Eu – Profissional

Prato 7: Eu – Aprendiz de Blogger

Prato 8: Eu – Doceira

Prato 9: Eu – Feirante

Prato 10: Eu – Dona de Casa

Prato 11: Eu – Dona de Horta

Prato 12: Eu – Leitora

Prato 13: Eu – Aspirante a aprendiz de Fotógrafa,…

 

Ementa: Eu – Louca!

Os pratos todos a girar; a ordem toda invertida; alguns quase a cair no chão, …

 

E a pergunta de algumas amigas:

-Como é que tu consegues?

-Não consigo.

Esta não sou eu nas compras.

The coveteur equilibrar

É a Padma Lakshmi.

Esta não sou eu no meu quintal.

Olivia_Munn- equilibrar

É a Olivia Monn.

Nota de cor e beleza de um post que retrata uma situação que aguarda uma decisão da minha parte.

Não posso continuar a tentar equilibrar todos estes pratos.

Alguns vão deixar de existir, pelo menos temporariamente.

De outra forma, em breve serei internada.

E não é num SPA.

 

Quando não sei bem que decisão tomar, decido carregar no “pause” e visitar o blog: The Coveteur

 

 


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Amanhecer

O psicólogo Daniel Rijo disse que a melhor prenda que podemos oferecer a um filho é deixá-lo passar um fim-de-semana em casa de um amigo.

Proporcionamos-lhe uma aprendizagem sobre a dinâmica de outra família e oferecemos-lhe um cenário de comparação que o faz reflectir sobre a sua própria dinâmica familiar.

Depois dessa experiência, um filho pode regressar mais exigente ou grato.

E a sua capacidade de auto-análise dispara.

Mesmo que, num primeiro momento, possa não ter muita noção disso.

Achei que fazia todo o sentido.

Sempre gostei muito do meu núcleo familiar; acho que fomos todos Família enquanto estivemos juntos.

E essa união solidificou-se, porque os meus pais nunca tiveram televisão na cozinha.

A hora da refeição era bem mais do que uma hora… e sempre muito conversada.

Achei estranhíssimo quando, na adolescência, passei o fim-de-semana com uns amigos e vi que todos engoliam o almoço em silêncio e, em meia-hora, cada um voltava aos seus afazeres como se aquele momento em conjunto fosse desconfortável.

Marisa  e Beatriz de manhã

Nós iniciámo-nos na partilha das manhãs.

Também entre as crianças pequenas há fenómenos inexplicáveis: a amizade é um coup-de-foudre que vive de cumplicidades, por vezes, pouco óbvias.

Apesar da diferença de 5 anos, estas duas meninas brincam como se se conhecessem desde sempre.

Para já, é a Marisa que vem até cá.

Eu sou completamente incapaz de passar a noite sem estes pés aqui por casa.

Pés de 3 anos

Vou tendo desculpa, porque aos três anos ainda não há muita capacidade de auto-análise…

 

 

 

 

 

 

 


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Luz

-Vamos acordar!

Olhos ensonados.

Despe.

Veste.

-Mãe, sabias que temos uma luzinha aqui dentro?

-Não! Onde?

-Aqui, ao pé das maminhas.

-No coração?

-Isso, no coração.

-Quem te disse?

-A minha professora. O Guilherme também tem. E é o mais pequenino.

 

A minha Luz ficou a brilhar com intensidade.

Ainda brilha.

 

A Beatriz entrou em Setembro para o Jardim-de-Infância.

Manter a Beatriz em casa durante três anos e meio foi uma decisão pouco pacífica, sem certezas absolutas, e muito exigente.

Foi preciso mobilizar muitos corações generosos.

Alentejanos e figueirenses.

 

Receei muito este primeiro contacto com a escola.

 

A escola pública era a minha primeira escolha, apesar de ter recebido excelentes referências da escola particular de Estremoz.

Mas já tinha tido uma péssima experiência na escola João de Deus.

Não encontrei nesse Jardim-Escola de referência uma única pessoa com a sensibilidade necessária para ver estrelas nos corações das crianças.

Confundiam rigor com falta de afecto.

Foi azar… talvez.

 

Quinta-feira é o único dia em que consigo ir buscar a Beatriz.

Grande sorriso da “professora mais bonita de Estremoz”, a professora Guida.

Aquele sorriso da Beatriz, com um pincel grande a inundar uma folha de azul.

-Espera um bocadinho, Mãe, estou a acabar uma pintura.

Última página do livro Beatriz

 

Luzinha interior a brilhar com mais força.

Tomei a decisão correta e a Beatriz está feliz.

Encontrei pelo caminho as pessoas certas.

Tive sorte… sem dúvida.

 

A imagem é do livro The Little Girl Who Lost Her Name.

Escrever o nome no site já é uma experiência, mas ficar com o livro tornou-se irresistível.

De David Cadjy Newby e Pedro Serapicos.