“Le souvenir est le parfum de l´âme” – (George Sand).


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O Coração Ainda Bate

Para a rentrée, Redmond Barry não teve contemplações e abordou um tema muito doloroso: a rejeição.

Não se trata da rejeição pontual – aquela que nos derruba por uns dias, mas para a qual fomos criando artilharia de resistência – fala-nos da rejeição recorrente, aquela que acontece quando o amor de uma vida nos afasta sistematicamente.

É um tema duro.

Numa relação longa, há períodos de maior desvio e de maior cumplicidade.

Julgo que discernir o momento de persistir do momento de desistir é o grande desafio.

É preciso coragem, honestidade e lucidez para tomar a única decisão que sentimos verdadeira, qualquer que ela seja.

Com a certeza, porém, de que a um afecto unilateral não se chama amor.

Não sei se a dor da rejeição é mais vincada no feminino ou no masculino: no passado, as mulheres aceitaram-na em silêncio, a bem da sua sobrevivência, do “seu bom nome” e da instituição familiar. Tempos bolorentos que já não nos definem…

No século XXI, humanos de todos os géneros já passaram pela experiência de escolher a pessoa errada;

quase todos já ficaram demasiado tempo com a “escolha inadequada”

e outros tentaram, diligentemente, convencer-se de que, com esforço pessoal, essa pessoa poderia ainda transformar-se na certa.

Inês Maria Menezes, numa entrevista com Bernardo Mendonça, leu o seguinte excerto de Hanif Kureishi, do livro Meia noite todo o dia:

“Somos infalíveis na nossa escolha de amantes, particularmente quando precisamos da pessoa errada. Existe um instinto, uma força magnética ou antena que busca o inadequado.

A pessoa errada é obviamente certa para determinadas coisas… Para nos punir, oprimir ou humilhar, para nos desiludir, abandonar ou, pior ainda, para nos dar a impressão de não ser inadequada, mas quase certa, mantendo-nos assim presos no limbo do amor.

Não é toda a gente que é capaz de fazer isto?

As relações íntimas são tão complexas, intensas e voláteis:

às vezes, a pessoa certa metamorfosea-se e torna-se errada;

outras vezes, somos nós que deixamos de ser os certos;

e temos de reconhecer que, algumas vezes, somos nós os inadequados de uma bela história de amor a acontecer (se não fôssemos nós o erro).

Parece que a vida é feita disto: forças magnéticas, inadequações e limbos de amor, êxtase e devastação.

Mas, felizmente, “o coração ainda bate“.

Fotografia: da alemã Corinna Hopmann.

Título do post: roubado ao podcast e ao livro de Inês Maria Menezes, O Coração Ainda Bate.


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Rejeições

Redmond Barry é meu amigo, tem 40 anos, é bonito, culto e inteligente.

Tem tudo para se sentir absolutamente afortunado, mas é possível ser lúcido e feliz?

Fernando Pessoa já há muito deu resposta a essa questão!

Portanto, resta-nos reflectir.

Chegou o momento de dar espaço à perspectiva masculina, neste blog.

O que tens a dizer das tão assombrosas/espinhosas relações românticas?

Rejeições

Certamente que uma das piores emoções pelas quais um ser humano passa advém de uma qualquer rejeição e todos nós já fomos sujeitos, em maior ou menor medida, a várias. Seja numa entrevista de emprego, seja por parte de um grupo de amigos ou devido a um amor não correspondido, quando somos rejeitados um sentimento que pode ir da tristeza à revolta invade-nos o coração e, consoante o caso, pode durar uns minutos, umas horas, uns quantos dias ou até algumas semanas.

Muito pior, todavia, é viver numa constante rejeição que, pelo que me tenho dado conta, é algo que atinge muitos casais. A partir de determinado momento, por variadíssimas causas que me ultrapassam, embora por vezes também sem qualquer motivo aparente, um dos membros do casal desliga-se progressivamente do outro. Deixa de querer ter um momento a sós, de passar ocasionalmente um pôr-de-sol abraçado como se de um casal de adolescentes se tratasse e, claro, deixa inevitavelmente de ter qualquer relação sexual ou tem-nas com uma frequência residual e/ou por achar que deve cumprir uma obrigação. Não faço ideia de qual será a quantidade de casais afetados por este problema, pois os estudos sobre esta matéria sofrem com uma grande variação já que se baseiam em questionários anónimos de autopreenchimento. Ainda assim, estima-se que entre a 10% a 20% das relações de longo prazo um dos membros é rejeitado sistematicamente.

               É para mim muito difícil compreender as motivações de quem rejeita, com exceção de quando se trata de impor algum castigo, vingança sobre o parceiro ou um inegável problema de saúde. Se quem rejeita tivesse um mínimo vislumbre do que causa na outra pessoa, rapidamente tomaria uma de duas ações possíveis. No caso de pretender manter uma relação saudável procurava, por todos os meios e da forma mais célere possível, resolver o problema. A outra opção era libertar o parceiro (ou parceira, pois têm-me chegado vários relatos no feminino) de uma relação que progressivamente se tornará, usando a terminologia woke, tóxica. Se uma rejeição é difícil de digerir, quando é constante toma proporções cumulativas que desencadeiam um conjunto de sentimentos e ações extremamente negativos. A perda de autoestima é inevitável e pode atingir dimensões danosas a um ponto obsessivo, sobretudo porque estes problemas surgem tendencialmente numa fase mais avançada da vida quando os primeiros sinais de envelhecimento físico surgem – perda de cabelo, mudança na cor do cabelo, aumento de peso, perda da dentição, etc. Segue-se uma crescente revolta interna contra quem nos rejeita, correndo-se o risco de se transformar uma pessoa em tempos amada numa entidade abjeta e odiada. Estes sentimentos, todavia, não se circunscrevem ao seio familiar e o rejeitado começa inclusivamente a ter atitudes que não lhe são inatas em todos os meios sociais em que se move.

               Então porque não aceitar, sem dramas, que o amor terminou? É verdade que há sempre muitos encargos conjuntos que, entretanto, se adquiriram – bens móveis e imóveis, filhos, amigos e familiares para gerir –, mas até que ponto se deve arrastar uma situação que leva a uma autodestruição anunciada?   Haverá alguma solução disponível? Aconselho a audição desta entrevista que me parece muito certeira no diagnóstico e desfecho deste tipo de situações.

Rio Ponsul, seco, árido e estéril


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3 Gerações

Li algures que, para mudar um padrão social, são necessárias 3 gerações.

Como ser humano, mulher e mãe de uma rapariga, espero que os trilhos percorridos jamais retrocedam.

Felizmente, eu não posso comparar a minha adolescência com a da minha mãe ou com a da minha avó que nasceu em 1925: duas mulheres fortes, mas condicionadas pelo que os outros esperavam delas.

A minha filha está ainda mais afastada desse paradigma exigido pela família e pela sociedade; está também distante daquele que orientava as miúdas que cresceram nos anos 80 numa pequena cidade junto ao mar.

Como isso me deixa feliz!

Hoje, já adulta, devo muito à minha filha pré adolescente.

Foi com ela que perdi totalmente o medo de palavras como menstruação, vulva/vagina, pénis, testículos, orgasmo ou relações sexuais.

Um dos projetos dela para este ano letivo é fazer parte da Associação de Estudantes da escola e lutar para que se disponibilizem recolectores menstruais gratuitos nas casas de banho. Está muito perturbada com a pobreza menstrual que ainda existe no nosso país. Eu também estou, porque descobri há poucos meses que há várias crianças, em Estremoz, que não têm casa de banho!

Eu passei metade da minha vida sem conhecer a total dimensão do meu clitóris e sem dintinguir vulva e vagina. A minha filha está perfeitamente familiarizada com o seu órgão reprodutor.

Eu ainda sofri ecos de uma tradição patriarcal que insinuava uma superioridade masculina, não só física, mas também intelectual e de usufruto de direitos.

A minha filha nem concebe tal absurdo.

Eu vi/vejo a minha vida sexual perscrutada e cresci com alertas em relação ao que “parece mal”.

Se tudo correr dentro do previsto, a minha filha há-de viver a sua sexualidade como bem lhe der na gana!

Pouco antes de eu nascer, a NASA lançou uma cápsula para o espaço com informação sobre a vida na Terra. O homem foi com pénis e testículos; a mulher embarcou sem vulva.

Parece que a primeira versão do desenho era demasiado gráfica. Podia assustar os marcianos, uma vez que incomodava, sem dúvida, os terráqueos.

Há ainda um percurso, mas penso que as questões que atormentaram os adolescentes do passado já não atormentarão os adolescentes do futuro. Sou optimista.

Receio que demasiado optimista, porque vivemos na era da harmonização facial, corporal e genital.

Todas estas imagens são de um livro muito bem humorado mas muito sério da sueca Liv Stromquist, O Fruto Proibido. Leitura obrigatória!


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Cidades acesas

Estremoz é uma pequena cidade do interior do Alentejo, características que proporcionam muitas vantagens, como uma invulgar qualidade de vida no dia-a-dia, mas também alguns riscos.

Sempre temi que a Beatriz fosse demasiado perscrutada na sua individualidade, sancionada nas suas vivências e, eventualmente, limitada nos seus sonhos.

Talvez não venha a acontecer, porque esta pré-adolescente tem-se revelado muito destemida, determinada e uma pertinaz ativista dos direitos humanos. Seja como for, depois de dois anos insólitos, este ano achei que ela (e eu!) precisava do bulício das cidades de Sophia de Mello Breyner Andresen.

Há cidades acesas na distância,
Magnéticas e fundas como luas,
Descampados em flor e negras ruas
Cheias de exaltação e ressonância.

Há cidades acesas cujo lume
Destrói a insegurança dos meus passos,
E o anjo do real abre os seus braços
Em nardos que me matam de perfume.

E eu tenho de partir para saber
Quem sou
, para saber qual é o nome
Do profundo existir que me consome
Neste país de névoa e de não ser.

Madrid

Vitoria-Gasteiz

Bilbao

Foram duas semanas muito intensas, de muitos quilómetros, muitas conversas e de muitos abraços.

Sitges

Expedita nas novas tecnologias, esta miúda revelou-se uma copiloto extraordinária.

Já não há estrada que me assuste.

Daqui, vamos juntas até à Lua…

Pelo menos enquanto ela quiser passear estes caracóis com a Mãe.