
-Queres andar comigo?
-Quero!
Estávamos no final dos anos 80 e era o início da minha primeira história de amor.
Eu tinha 14 anos, era bem-comportada e observadora.
Ele tinha 15 anos, era um moreno bonito, meigo, repetente e já fumava.
Queríamos “andar” um com o outro e, na inocência instintiva da adolescência, éramos lúcidos.
Poucos meses depois, descobri que ainda tinha muito para observar e que não queria “andar”.
Disse-lhe, ele ficou triste, disseram-me que bebeu demais nessa tarde, como qualquer adolescente magoado dos anos 80.
Mais tarde, a adolescência ficou para trás e gritaram-me que os adultos não “andam”; isso é de quem é estouvado e imaturo. Os adultos casam.
Fim de lucidez!
Infelizmente, não há modelos pré-definidos para quem é “estouvado e imaturo”.
Tive de descobrir por mim.
Com dor, introspecção, honestidade, respeito, liberdade e rebeldia.
Até perceber que o meu Amor sufoca com convenções ou instituições.
O vínculo do meu Amor é apenas o próprio Amor.
Que seja eterno!
Ou que seja Honesto e dure enquanto houver Amor…
♥

O seguinte texto explica bem o que sinto.
“Entre as coisas que distinguem a vida sentimental dos seres humanos está também a modesta, mas não irrelevante, diferença entre quem tem a vocação de “andar com” e de quem tem, por sua vez, a de “estar com”. A primeira tem uma dignidade moral que supera a segunda.
“Andar com” é um eros claro e honesto, que não promete falsamente, nem a si próprio nem aos outros, uma duração, nem simula a partilha do bem e do mal da existência – como se se tratasse de um casamento ou de uma união completa, profunda e duradoura – e, precisamente por este franco desencanto, pode também transmitir ternura, afeto e amizade destinados a durar além do breve encontro.
“Estar com”, ao invés, é frequentemente a auto-enganatória paródia do casamento, significa partilhar a existência durante seis meses ou um ano, mas com todas as obrigações e as regras do casamento: fidelidade recíproca pro tempore, um casal fixo que deve ser convidado em conjunto, coabitação, laços de família a tempo determinado incluindo sogros e sogras, simulação melancólica ainda que sincera de serem uma só carne, incapacidade de viverem sozinhos. “Estar com” é bem diferente de reconstruir uma existência ou fundar uma nova união sentimental depois do falhanço ou, todavia, do fim de uma relação precedente, interrompida pela incompreensão, pela morte, pela incompatibilidade ou pelo esgotamento afetivo. “Estar com” é a programação, consciente e inconsciente, de muitos sucessivos mini-casamentos, já previstos a priori.
A minha vizinha tem um rosto terno e temerário; na sua boca não existe nem uma prega acídula gravada pela presunção agressiva, nem tampouco a repulsiva dureza muitas vezes esculpida, em certas classes, pelo hábito e sobretudo pelo desejo de sublinhar a própria pertença aos Senhores. Com aquele rosto, que se intui ser capaz de paixões e de ternura, aquela mulher merecia um verdadeiro companheiro ou o amante de uma noite, em vez de um namorado, como se costuma dizer quando se “está com”, recorrendo a uma palavra que, já como prelúdio aos casamentos de outrora, soava a qualquer coisa bastante insulsa.”
Cláudio Magris, Instantâneos

Um texto lúcido e esclarecedor que a minha prima do coração me revelou do blog Delito de Opinião
Imagens com o sugestivo título “Imperfect reflection”, de Pillery Teesalu, descobertas no IGNANT.
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