Posso usar baton e ser feminista?
Posso usar vestidos com florinhas e ser feminista?
Será que se quero ser levada “a sério”, na profissão e na vida, tenho de andar vestida discretamente e ter uma aparência despojada, sóbria e discreta (ou seja, parecer-me com um homem de roupas cinzentonas!)?
E, já agora, só posso discutir questões existenciais e determinantes para o funcionamento do Universo?
“Porque é que, depois de não terem sido mais do que corpos, as mulheres devem viver hoje como se não tivessem um corpo?” (Camille Froidevaux-Metterie)
É uma questão sentida entre profissionais que tentam ser reconhecidas em profissões tradicionalmente desempenhadas por homens (como a arquitectura, administração, política), mas também sentida no dia-a-dia.
Parece que se damos importância à aparência e somos vaidosas somos, necessariamente, meias tontas e só queremos seduzir o sexo oposto… ou seja, perdemos crédito para nos afirmarmos e exigirmos igual tratamento.
A discriminação está presente nas mais subtis nuances.
Não me lembro da minha Mãe me ter feito discursos feministas quando eu era criança, nem me lembro do meu Pai cozinhar ou lavar a louça. Mas a minha Mãe educou-nos sem fazer distinções entre o filho e a filha: a partir de certa idade, o meu irmão lavava a louça do almoço e eu lavava a do jantar.
Eu cresci a pensar que era assim em todas as casas.
Imaginem o choque quando percebi que há casas em que os filhos (e os maridos) só entram na cozinha para se sentarem à mesa…
Ou a perplexidade que senti quando me apercebi que havia uma confusão entre o facto de gostar, por vezes, de estar na cozinha e essa ser a minha função… de mulher.
Para mim não é uma função nem uma obrigação: é uma característica minha como outras – às vezes gosto de estar na cozinha (outras faço-o por “frete”) como gosto de muitas outras coisas.
Não há no meu código genético um gosto por esfregões e tachos.
Aliás, a minha Mãe nunca gostou de cozinhar…
Há um longo caminho a percorrer neste país europeu que ambiciona ser… “moderno”, evoluído e muito século XXI.


Um bom retrato do nosso país no texto de Maria Filomena Mónica.
Num trabalho, publicado por Karin Wall, do Instituto de Ciências Sociais, e por Lígia Amâncio, do ISCTE, vemos que:
A quase totalidade dos portugueses (93 por cento) considera que, num casal, tanto o homem quanto a mulher devem trabalhar fora de casa, mas um número impressionante (78 por cento) diz que uma criança pequena sofre quando a mãe trabalha. Cerca de metade da população afirma que as mães se deveriam abster de trabalhar quando têm filhos com menos de seis anos. Ora, devido aos salários reduzidos da maioria dos trabalhadores masculinos, Portugal possui a mais alta taxa de emprego feminino da Europa, uma situação que só pode conduzir a que as portuguesas vivam em estado permanente de culpabilidade.
Os portugueses excedem-se verbalmente no seu amor pelas crianças: para 62 por cento, os indivíduos que não têm filhos levam uma “vida vazia”. Ora, são estes senhores, que tanto dizem amar os filhos, que se não dão ao trabalho de lhes mudar as fraldas, de os levar ao médico ou de os alimentar.
As mulheres portuguesas gastam três vezes mais horas do que os homens na lida doméstica: elas despendem, por semana, vinte e seis horas, eles apenas sete, o que dá uma diferença de dezanove horas semanais, uma média superior à europeia. As portuguesas continuam a ser exploradas, como se nada se tivesse passado desde o momento, na década de 1960, em que a minha geração ergueu a bandeira da emancipação feminina.
De certa forma, o destino das raparigas na casa dos trinta ou quarenta anos corre o risco de ser pior do que o meu. Quando casei, o que de mim se esperava, além da procriação continuada, era que passasse o dia a arrumar a casa, a cozinhar pratos requintados e a vigiar a despensa. Hoje, a estas tarefas vieram juntar-se outras. As mulheres modernas são também supostas ser boas na cama, profissionais competentes e estrelas nos salões. Mas isto é uma utopia. Nem a mais super das supermulheres pode levar as crianças à escola, atender os clientes no escritório, ir à hora do almoço ao cabeleireiro, voltar ao escritório onde a espera sempre um problema urgente, fazer compras num destes modernos supermercados decorados a néon, ler umas páginas de Kant antes de mudar as fraldas do pimpolho, dar um retoque na maquilhagem, telefonar a três “babysitters” antes de arranjar uma, ir ao restaurante jantar com os amigos do marido, discutir a última crise governamental e satisfazer as fantasias sexuais democraticamente difundidas pelos canais de televisão. Estou a falar, note-se, de mulheres socialmente privilegiadas. A vida das pobres é um inferno sem as consolações de que as suas irmãs de sexo, apesar de tudo, usufruem.
Imagem: À procura de um lugar equilibrado para o corpo numa sociedade que tem ainda muito para crescer ou a fusão do corpo com a Natureza de Mia Berg
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